sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O Cigano Peregrino - 25


Após algum tempo, voltamos para casa. Ela foi trabalhar e eu arrumei o espaço, lavei nossas roupas e preparei o almoço. Depois sai e quando me percebi, estava no mesmo lugar em que agredi o menino de rua e senti imensa angústia e vontade de vê-lo. Andei uns duzentos metros e eis que me deparei exatamente com ele, que estava com alguns curativos. Ao me ver, se tomou de medo e quis fugir, mas eu o segurei, dessa vez sem violência e lhe disse:
- Por favor, pare. Não vou lhe fazer mal. Perdoe-me por ter sido tão cruel com você. Quer comer alguma coisa?
Surpreso e secando as lágrimas, ele deixou de oferecer resistência a mim e ainda desconfiado, falou?
- Você só pode ser maluco! Ontem quase me matou e hoje me pede perdão e quer me pagar algo para comer...
- Está com fome, não está?
- Estou.
- Então?
- Estou tão dolorido que não tenho nem força para roubar ou pedir. O jeito é aceitar seu convite. Inimigos são assim, como dizia minha avó: “Se não pode vencê-los, junte-se a eles”.
- Não sou seu inimigo – eu lhe disse.
- E amigos fazem o que você me fez ontem?
Fiquei sem graça e só conseguir responder o seguinte:
- Hoje é outro dia.
- E amanhã o que será?
- Sei que exagerei, mas você ia lesar aquela senhora.
- Eu estava com fome!
- Vamos sentar, comer e conversar? Aqui no meio da calçada não é muito confortável.
Levei-o a uma lanchonete próxima. Pedi um milk shake e um misto para mim; ele, dois hambúrgueres, um refrigerante e batatas fritas:
- Como se chama?
- Luiz.
- Por que vive nas ruas, Luiz?
- Meus pais morreram, minha avó cuidou de mim, mas está doente. Carrego compras, peço e roubo para comer e alimentar a velha.
- Não tem vontade de mudar de vida?
- Vontade não basta. Tenho que ter condições.
- E se eu te der um dinheiro para você comprar comida para vocês e procurar um curso profissionalizante para fazer e melhorar de vida?
- A troco de que você faria isso por mim? Você gosta de garotos como eu, não é? Pederasta! Maricón! Quer mesmo é fazer um programa comigo... Pois saiba que você me maltratou tanto que nem condição de dar meia hora de cú para conseguir algum trocado eu tenho.
- Não é nada disso – respondi chocado com a rispidez dele, mas compreendendo sua revolta. - Eu tenho o direito de me arrepender do que eu lhe fiz, embora você não seja “flor que se cheire” e quero te compensar por isso e te dar uma oportunidade de viver com dignidade.
Nossos pedidos chegaram e fiquei impressionado com a avidez desenfreada que meu novo amigo comeu. Pobrezinho!  Estava faminto.
Quando ele terminou, estava feliz e com outra energia:
- Caramba! Eu estava com muita fome! Há muito tempo que não como uma coisa tão gostosa!
Pela primeira vez aquela vítima sul-americana sorriu para mim e eu tomei aquilo como um dos maiores prêmios que recebi na vida.
- Eu merecia aquela surra – disse-me. – Não tinha que estar roubando a velha.
- Você merecia uma correção; não um espancamento. Merece um trabalho que o tire dessa vida.
Terminando a refeição, continuamos conversando e foi nascendo uma delicada amizade entre nós. Depois de horas, entreguei-lhe um envelope e lhe disse:
- Isso aqui é para você.
- O que tem aí?
- Uma chance e talvez seja a sua última. Há uma soma de dinheiro aí, que dá para comprar comida para um mês e que pode lhe possibilitar fazer um curso profissionalizante e investir numa carreira. Quer ficar nas ruas para o resto da vida?
- Não. Mereço uma vida digna.
- Então, tome. Esse dinheiro é seu e eu espero que o use de forma sábia e o multiplique.
- E eu que pensei que ter cruzado com você fosse a pior coisa que já me aconteceu...
- Aparências, quase sempre, enganam.
- Por que está fazendo isso por mim?
- É mais por mim mesmo do que por você, Luiz.
- Como posso fazer para lhe retribuir?
- Mude de vida.
- Eu prometo que vou mudar.
- Prometa a si mesmo; não a mim. Você não me deve nada.
- Não cabe a você dizer-me se lhe devo ou não. Cabe a mim decidir isso.
- Tudo bem.
Abracei meu amigo, que por estranhar meu ato, ficou com o corpo travado, mas demonstrou ter gostado do contato, embora o tivesse achado estranho. Despedimo-nos e fomos, cada um, seguir a própria vida.
Em casa, partilhei a experiência com minha companheira e ela me falou:
- Viu como o Amor atua?
- É surpreendente!
- Pena que a maioria das pessoas se alimenta das guerras e dos conflitos. Já pensou se todos os atritos do mundo fossem resolvidos dessa forma?
- Seria o paraíso.
- Um dia será.

2 comentários:

  1. Já estou atualizada, irmão. Estou adorando as aprendizagens de Gilberto. Bjos.

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  2. Que bom, meu anjo. Já estava com saudades. Beijos e Boa Viagem!

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