segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O Cigano Peregrino - 19


CAPÍTULO 3

CHITZEN ITZA - MÉXICO

“Gracías a la vida que me ha dado tanto”.
Violeta Paras.

Chegando diante das ruínas da antiga cidade de Chitzen Itza, senti um profundo arrepio no corpo. Sensação estranha de já haver estado ali. Senti saudade de Clara e Richard. Seria bom se os tivesse comigo naquele momento, mas a vida é assim: não se pode arrastar todos que pertenceram ao nosso passado, ao longo da trajetória. Vida é passagem, é trânsito. Fica quem tem que ficar; parte quem tem que partir.
Juntamente com alguns turistas e pessoas do local, iniciei minha escalada nos degraus de El Castillo, a pirâmide mais famosa daquele rincão maia-tolteca. A subida foi árdua e cansativa. Parei algumas vezes para descansar, só que o ímpeto de chegar ao cume era maior que a fadiga e toda a minha energia gritava para ser dirigida para este foco.
Gente tirando fotos, gente conversando, tocando instrumentos musicais, falando de magia e discos voadores, Calendário Maia e outras coisas que eu ouvia à medida que passava.
Chegar ao fim foi um prêmio. A vista, a energia, tudo ali deixou-me profundamente emocionado e eu chorei.
Foi então que uma bela mexicana me ofereceu um lenço, esboçando um dos sorrisos mais lindos que já vi em vida:
- Por que chora? – Perguntou-me em seu idioma.
- De emoção – falei enxugando o rosto e os olhos – Obrigado pelo lenço.
- Como se chama?
- Gilberto e você?
- Chencha.
- É um prazer conhecê-la – estendi a mão e ela a apertou.
- Encantada! Que faz aqui?
- Não sei ao certo, Chencha. Sou um peregrino.
- Todo peregrino busca alguma coisa ou alguém, ou a si mesmo.
- Acho que busco tudo isso.
- É um peregrino megalomaníaco.
Rimos. Adorei o bom humor da minha interlocutora.
- Digamos que sim. O que faz, amiga?
- Sou estudante de História e Guia Turística.
- Oba! – Exclamei – Sou um homem de sorte. Você pode me contar a história desse lugar?
- Posso, mas sugiro que nos sentemos.
Sentamos nos degraus da pirâmide e ela disse:
- A História do meu povo vem de muitos anos, quando os asiáticos tomaram posse da América do Norte e Central, encontrando há cerca de 2500 anos antes de Cristo uma civilização protomaia. A antiga e mística cidade de Chitzen Itza floresceu em pleno esplendor desta civilização e tinha como sacerdote o poderoso Kukulcan, que encarnava o Espírito da Serpente e detinha o poder sacerdotal e político na época, como qualquer faraó egípcio.
- E como a história desta civilização aconteceu? – Perguntei.
- Em cinco períodos. O primeiro foi o Formativo, que se estendeu de 500 a.C. a 325 d.C.. Naquele tempo, fizeram algumas esculturas de argila demonstrando traços do meu povo. Depois veio O Período Clássico, no qual os Maias se firmaram como povo, buscando sua identidade e purismo nacional e racial, não se baseando em influências externas. Depois houve um grande florescimento cultural e científico que projetou nosso povo na História Humana, mas misteriosamente todo aquele potencial cultural feneceu e os templos foram abandonados.
- Por quê?!
- Talvez não tivéssemos sabido lidar com tanto poder... Esse período do qual acabamos de falar foi de 325 d.C. ate 925 d.C. Daí veio o Período de Transição, onde nossa liberdade se deteriorou e a cultura Tolteca se apossou de nossas almas. Entre 975 e 1200, se iniciou o Período Maia-Tolteca no qual ficamos sob forte influência dos Toltecas, que implantaram o mito da Serpente Quetzalcoatl. Nossa essência foi se perdendo com a chegada de outras gentes e entre 1200 e 1540, nossa cultura naufragou no mar dos conflitos e das alianças com povos que desrespeitaram nossos costumes.
- E onde entram os espanhóis nessa história?
- É exatamente agora que entram, mas as cidades cerimoniais já estavam abandonadas. Muito já havia se perdido.
- Isso é triste!
- É. Mas seria bem pior se ninguém houvesse guardado e protegido nossa história e costumes.
- Quem guardou?
- Nós, os Descendentes.
- Você poderia me ensinar algumas dessas coisas? Alguns desses tesouros?
- Poderei fazê-lo, desde que você passe no teste.
- Que teste?
- Aquele que demonstrará se você realmente é merecedor do que eu tenho para lhe falar.
- Em que consiste esse teste?
- O que você faria de absolutamente insano que colocasse em cheque sua intimidade neste momento?
Pensei um instante e respondi:
- Ficaria nu.
- Fique.
- Como?!
- Esse é o teste.
- Vai ser um vexame. O que estas pessoas vão pensar? Poderei ser preso por atentado ao pudor.
- Sem Streaptease, sem ensinamentos.
Tirei minhas sandálias, minha camisa e quando ia desabotoando as calças, ela me falou sorrindo que eu poderia parar por ali, pois já havia sido aprovado no teste, pelo fato de ter posto o conhecimento acima dos meus próprios limites. Aquilo fazia de mim um merecedor legitimo. Só que não sei o que me deu e quando me vi, já estava completamente despido, Chencha chocada tentava me vestir a roupa e alguns policiais se aproximaram.
Fui levado para Cancun e me detiveram na cadeia, mas fui bem tratado, embora fosse estrangeiro e só passei uma noite na cela que tinha um traficante e um ladrão, respectivamente Germano e Benício:
- Por que está aqui, Brasileño? – Indagou-me Germano.
- Tirei a roupa lá no alto de Chitzen Itza. Atentado ao pudor.
- É maluco! – Exclamou Benício – Por que fez isso?
- Foi um teste. Uma Guia me disse que só me passaria os ensinamentos Maias se eu ficasse nu. E foi o que eu fiz.
- E aí, onde está a mandante do crime? – Questionou-me o outro sorrindo.
- Não sei. Espero que ela venha me soltar.
O soldado estava ouvindo a conversa e foi falar com o delegado. Logo depois fui chamado à sala da autoridade. Fui escoltado pelo soldado carcereiro sem desconforto e parei diante do delegado.
- Sente-se – falou friamente.
Quando o soldado saiu, os olhos do delegado se acenderam. Ele não poderia deixar transparecer aquela emoção diante de terceiros, e ficou mais aliviado:
- Por que tirou a roupa em público?
- Para obter conhecimento.
- Foi um teste?
- Sim.
- Quem lhe testou?
- Não posso dizer.
- Por quê?
- Preservação do sigilo.
- Se me disser, eu te solto.
- Não adianta. Não vou dizer.
- Então você é confiável?
- Eu sou.
- Tudo bem. Como já está tarde, durma aí na cela mesmo e amanhã de manhã você vai ser liberado.
- Obrigado, delegado.
- Pode me chamar de De la Fuente.
- Obrigado, De la Fuente.
- Disponha, amigo.
- Por que está me ajudando?
- Porque sou um Maia.

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