quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O Cigano Peregrino - 20


Voltei para a cela. Meus companheiros já estavam dormindo. Deitei em meu colchonete e comecei a pensar na minha história. O que meus ex-paroquianos diriam se me vissem naquelas condições? Ri e achei tudo muito inusitado. A cela estava fresca e foi muito intensa a sensação interna de liberdade, mesmo estando atrás das grades. Meu espírito era muito mais do que aquele estado de confinamento. Lembrei-me dos ensinamentos de Emmanuel e tive um importante insight: Onde quer que eu pudesse estar e em qualquer condição, nada afetaria meu ponto de paz interior e minha liberdade interna.
Adormeci e sonhei com meu pai. Por projeção astral, fui à dimensão em que ele e os ciganos estavam e nosso reencontro foi emocionante:
- Salve, Cigano! – Disse-me ele abrindo os braços.
- Salve, Meu Pai!
Envolvemo-nos num abraço gostoso e depois cumprimentei a todos.
- Agora você já sabe que nada pode aprisionar uma Alma, quando ela é por natureza, livre – disse-me meu pai.
- Sei sim.
- Como está se sentindo?
- Crescendo. E você?
- Também. Assim como todos eles.
Vi então, além dos seis que estavam com ele, surgirem inúmeros ciganos e participei de uma festa cigana inesquecível.

Pela manhã, fui acordado por um soldado e fui solto. Na porta da delegacia, Chencha me esperava com aquele sorriso que nenhuma outra mulher no mundo tem. Levou-me a uma lanchonete, comemos alguma coisa e ela me perguntou:
- Como foi passar a noite na cadeia?
- Libertador.
Rimos.
- O delegado conversou comigo depois da conversa que teve com você.
- Ele é gente boa!
- Que quer fazer hoje?
- Voltar a Chitzen Itza – respondi sem pestanejar – mas antes, quero um lugar para tomar banho.
Chencha me hospedou em seu quarto e sala. Tomei um banho gostoso, ela foi para a faculdade e após ter tirado uma soneca, voltei para as ruínas da cidade sagrada. Cheguei ao cimo do Caracol e ouvi turistas conversando, pareciam ufólogos, sobre o fato de ali ter sido usado como observatório. Cada vez mais eu ia me interessando pela cultura Maia.
À tarde, minha nova amiga chegou com um grupo pequeno de turistas e decidi me incorporar ao grupo e me deixar guiar por aquela mulher fascinante. Era interessante a forma de ela contar as histórias do lugar e do povo que ali viveu! Tinha um quê de mágico, de sedutor que ia me envolvendo a cada segundo.
Num momento em que os turistas tiravam fotos, ela veio falar comigo:
- Aproveitando a viagem, moço bonito?
- Mais você que a própria viagem.
- Está se apaixonando por mim?
- Não. Já me apaixonei.
- Coincidência. Penso que a recíproca está existindo.
Ela me beijou suavemente e voltou para o grupo.
Final da tarde, ela me falou que iria deixar o pessoal em Cancun, mas que voltaria com uma barraca para acamparmos ali naquela noite. Achei a ideia fantástica e por lá mesmo fiquei.
Após algumas horas, minha amiga voltou num fusca velho e simpático. Armamos a barraca, fizemos uma fogueira, comemos frango com arroz, tomamos vinho e para mim foi extasiante vê-la tocando violão e cantando histórias e lendas maias.
A noite estava linda. Não havia lua e o céu estava todo estrelado. A garrafa do vinho estava na metade quando nosso fogo interno aumentou e não deu outra, fizemos amor abençoados pelas estrelas, pela noite e pelo céu.
Relaxei tanto, que me vi boiando num oceano infinito, completamente entregue. Em seguida, vi que Chencha estava ao meu lado, também boiando. Pegou minha mão e telepaticamente me convidou para fazermos uma viagem. Claro que fui:
- Sabia que você tem quatro cérebros? – perguntou-me telepaticamente, enquanto boiávamos.
- Não. Sempre soube de um só – respondi.
- Quatro cérebros formam um só.
- Como assim?
- Nós humanos temos o cérebro Réptil, o Mamífero, o Hominal e o Neocortical.
- Não entendo...
- Deixe-me mostrar-lhe as quatro faces do seu cérebro.
Ela tocou na base do meu crânio e eu me tornei um lagarto verde e belo. Foi muito interessante perceber as coisas a minha volta como um réptil! Meu sangue era frio e através da minha nova pele, eu percebia o mundo de outra forma: o vento, o sol, a temperatura repercutiam de forma diferente em mim. Meus instintos eram mais aguçados e minha adesão ao solo bem maior do que a que eu tinha como humano. Um instinto de predador começou a se formar em meu interior e eu desejei ardentemente caçar algum organismo vivo. Percebendo o que se passava comigo, Chencha quis me conter e minha reação foi lançar minha cauda contra ela, que se desvencilhou rapidamente. Como réptil, senti que estava perdendo minha humanidade, e se a ataquei não foi porque quis molestá-la; só estava querendo me defender.
- Gilberto, você é um Homem – ela disse mirando meus olhos.
Voltei à condição humana.
- Bem-vindo ao mundo dos humanos, Dr. Lagarto.
- Nossa! Perdoe-me... Foi difícil controlar...
- Eu sei. Já passei por isso. Não se culpe; é puramente instintivo. Quer conhecer o seu cérebro mamífero?
- Quero.
Ela tocou num ponto acima do cérebro réptil e aí me vi numa savana, na pele de uma majestosa tigresa amamentando meus três filhotes. Meu sangue era quente. Senti um cheiro familiar e fiquei em alerta. Tinha que proteger minhas crias! Apurei minha visão e a longa distância, identifiquei a presença de um veado. Naquele momento, caçá-lo não era uma prioridade e ele não representava ameaça alguma para nós. Em seguida, senti outro cheiro bem característico. Vi ao longe um macho, meu companheiro, e me alegrei com a iminência da sua chegada, pois me sentiria mais protegida e aquecida. Senti depois um cheiro estranho e vi uma mulher que estava bem próxima a mim. Rosnei para ela, pensei em meu filhotes! Ela me parecia inofensiva, mas...
- Gilberto!
Estava novamente boiando com Chencha no oceano:
- Foi mais fácil voltar! – Exclamei.
- Você estava linda de mamãe.
- Foi gratificante. Senti-me tão poderoso!
Então ela tocou no meio da minha cabeça e me vi cercado de infinitos blocos. Cada um deles representava um pensamento, um juízo, um discernimento, uma análise, uma síntese, um registro, uma lembrança, uma imagem, um sentimento, um desejo, um sonho. Era tudo tão complexo, que me senti zonzo, sufocado por tanta humanidade. Eu estava em contato com meu cérebro humano. Então alguns blocos começaram a se fundir com outros e milhões de sons e imagens se misturaram numa babel alucinante que me fez entrar num processo de aceleração vibracional tão intenso, que comecei a me desintegrar e foi aí que ela tocou em minha testa...
Senti-me explodindo de ideais. Percebi todo o meu potencial criativo e revi muitas coisas que construí, projetos que idealizei, movimentos que concretizei. Além disso, vi o que ainda estava por realizar e fiquei emocionado. Sempre me amei e soube que era um ser capaz, mas jamais tinha percebido o quanto empreguei, até ali, a minha energia em empreendimentos substanciais para mim e para o próximo. Este foi o contato com meu quarto cérebro.
Voltei a mim tranquilamente.
Não mais boiávamos no vasto oceano; estávamos no aconchego da nossa barraca.
- Como foi isso? – Perguntei aturdido.
- Silêncio, amigo. Descanse. Durma. Amanhã conversaremos.
Acordamos cedo e voltamos para Cancun. Durante a viagem, conversamos:
- Quem é você, Chencha? Como conseguiu fazer aquilo?
- Além de estudante de História e Guia Turística, sou uma Sacerdotisa, Gilberto e fui avisada da sua chegada. Disseram-me também que caberia a mim ensinar-lhe a se conectar com a Terceira e a Quarta Dimensões, já que você já acessou a Primeira e a Segunda com sucesso.
- Quem lhe disse? Posso saber?
- Claro que pode. Richard. Assim como você, como Clara e como eu, ele também é um Sacerdote de si mesmo.
- Vocês têm um sistema de comunicação especial? Como isso funciona?
- Assim como as Falanges Trevosas têm sua rede de comunicação e atuação, nós da Fraternidade Branca temos também a nossa rede. Estamos todos interligados a fim de cumprirmos nossa missão.
- E quem vencerá nessa guerra?
- Não se trata de vencer ou perder. Não é uma guerra. Cada um ficará onde deve e cada ser será livre ou não para optar. Nada é completamente mau ou bom. Depende da intenção.
- Tudo bem... Como será minha conexão com a Terceira Dimensão?
- Já está sendo. A 3D é tudo isso que nos cerca. É a superfície da Terra. Zona em que as dimensões físicas e não físicas se entrelaçam. Não vou poder te dar muita atenção hoje, porque tenho mil coisas para fazer entre a faculdade e meu trabalho. Mas como você já está na 3D, o cotidiano será seu grande laboratório. Observando ou interagindo, você tomará consciência de muitas chaves para melhor viver aqui na Terra, e em qualquer lugar. Quem quiser conhecer o Universo tem que passar um tempo aqui.
- Por quê?
- Porque de alguma forma aqui é uma estação para qualquer lugar do Infinito. Aqui é a Biblioteca Viva de todo o Cosmos.
Fomos para casa, tomamos banho, comemos alguma coisa, ela se despediu de mim e se foi. Eu resolvi sair e parei numa praça. Sentei num banco e pus-me a contemplar as pessoas, vendo em cada uma, um mestre em potencial para me ensinar lições da vida.

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