segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O Cigano Peregrino - 41

No dia seguinte, ele teve alta e nós fomos para o seu apartamento, um quarto e sala simples e aconchegante que ficava num bairro popular. Conversando com meu novo amigo, descobri que ele trabalhava no Museu do Cairo, o que me deixou deveras interessado.
Conheci Hadhyja, sua vizinha, e os filhos dela. Pessoas adoráveis!
Enquanto Nasser convalescia, cuidei dele e aquilo estreitou mais os laços entre nós. Certa noite, enquanto tomávamos uma sopa que preparei, aconteceu a seguinte conversa:
- Você é muçulmano, Nasser?
- Não. Sou árabe, nasci e me criei numa família islâmica, mas hoje em dia prefiro ser holístico. Minha religião é o Amor.
- Como eu, como Maria do Céu...
- É impossível conviver com aquela mulher e não operar uma mudança significativa na vida.
- Você viveu com ela?
- Sim. Durante três anos fomos amantes. Ela não te disse?
- Não.
- Com ela, acessei as Nove Dimensões. E você?
- Só a Sétima. Já tinha acessado outras pelos lugares onde passei.
- E por que ela não o conduziu até a Nona? Por que me pediu para eu ser seu Guia na Oitava?
- Não sei.
- Coisas dela ou do seu caminho?
- Talvez de ambos.
- Você também foi amante dela?
- Fui.
- É impossível não se apaixonar por Maria do Céu!
- Com certeza.
- De qualquer forma, penso que você é um grande presente que ela me enviou. Seria difícil para eu passar por essa fase sem alguém para cuidar de mim.
- E você também é um presente para mim. Diante do que me aconteceu na chagada, não sabe como foi bom saber que eu fui levado para o mesmo lugar em que você estava, ainda que estivéssemos doentes.
- O Universo conspira a nosso favor, sempre.
- Tenho constatado isso.
Contamos histórias nossas e a conversa rolou até a madrugada.
Duas semanas depois, Nasser voltou a trabalhar e me levou ao Museu. Fiquei angustiado com a loucura do trânsito da cidade. Quando ele percebeu meu desconforto, disse-me que eu aguentasse firme, pois quando chegássemos ao museu, tudo iria ficar bem:
- Todo mundo sabe sobre a História antiga do Egito, mas você conhece a história do Cairo?
- Não.
- Então vou contá-la para suavizar essa tortura que precisamos viver no momento.
- Boa ideia, amigo!
- Vê! Eis o Nilo.
Passávamos por uma margem do famoso rio naquele momento e eu me emocionei. Pensei em tantos fatos históricos e dramas que o Nilo testemunhara com o passar dos anos...
- O Cairo é o lugar do mundo todo. Cidade de todas as culturas, de contrastes, plural... Foi fundada em 969 para ser a capital do Egito árabe. Anos depois foi tomada pelos turcos e mais tarde ocupada pelos franceses. Como você pode ver, nossa raiz é totalmente plural.
- Como a do Brasil.
- Sim.
Ele me fez um relato de vários aspectos da cidade e de monumentos e locais aos quais me levaria em suas horas de folga. Nossa conversa desviou minha atenção do trânsito congestionado e apesar de termos demorado a chegar ao Museu do Cairo, fiquei bastante descontraído.
Chegamos à Praça do Tahrir e ele falou:
- Aqui está meu Museu, Peregrino. Seja bem-vindo.
Ele estacionou o carro e nós adentramos no local.
- Isso aqui foi construído há muito tempo, não?
- Não. Por incrível que pareça, é recente. Não se esqueça que o antigo e o moderno convivem aqui sem maiores problemas. Construíram isso aqui em 1902.
- Interessante! E desde quando você está aqui?
- Há dois anos.
Ele me mostrou coisas maravilhosas e dentre muitas que me deixaram impressionado, uma me chamou mais a atenção: a ossada de um ser, com cerca de dois metros de altura, cujo crânio era sensivelmente alongado:
- Nasser, vejo que é a ossada de um humano, mas por que essa deformação na parte craniana?
- Não é deformação.
- E do que se trata? É incomum...
- Esse alongamento é uma característica comum de um descendente direto de alienígenas. Assim como Akhnaton e sua irmã e consorte Nefertiti, que segundo os anais da História Iniciática, tinham quatro metros de altura cada e essa mesma estrutura óssea.
- Interessante! Esse tipo de ossada só foi encontrada aqui?
- Não, mas também em escavações no México e no Peru. No Museu de Lima você também pode ver uma semelhante.
- Não estive no museu de Lima.
- É uma pena, mas pelo menos está vendo uma bem aqui.
- Verdade. Por quanto tempo Akhnaton e Nefertiti reinaram no Egito?
- Por 17 anos. Foi um tempo bom no qual eles plantaram a noção de um Deus Único no Universo e mantiveram a paz. Tiveram quatro filhos sagrados e criaram uma Escola Iniciática que futuramente se tornou, em Israel, O Colégio dos Essênios, onde Maria e José, pais de Jesus se iniciaram e mais tarde, Ele e Maria Madalena, sua mulher.
- Então tudo começou aqui...
- Quase tudo... Na América também há indícios de um começo bastante longínquo.
- É verdade... Quando acessarei a Oitava Dimensão?
- Amanhã iremos a Mênfis. Quero que você veja uma coisa lá.
Percebi que por algum motivo ele não quis responder a minha pergunta e mudou de assunto. Resolvi respeitar sua reserva. Oportunamente eu voltaria a falar sobre o assunto.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O Cigano Peregrino - 40

Algum tempo depois, ela retornou:
- Localizei seu amigo.
- Que bom! Entrou em contato com ele?
- Não foi possível. Está internado?
- O que ele tem?
- Segundo me informaram, teve uma crise de apendicite aguda e precisou ser operado às pressas ontem. Por isso você não o encontrou e penso que se não fosse pelo assalto custaria a encontrá-lo. Procurei por ele na lista telefônica e entrei em contato com uma vizinha que me informou seu paradeiro. Ele mora só. A Divina Providência age muitas vezes através dos reveses a fim de nos direcionar no caminho certo.
- Quando poderei vê-lo?
- Até agora, se quiser. Você já está liberado e Nasser está aqui no hospital.
- Maravilha!
Ela me devolveu a mochila, eu lhe agradeci por tudo e fui conduzido por ela até o quarto onde Nasser estava:
- Bom dia, Nasser! Como está? – Ela o cumprimentou.
- Bem melhor! – O belo árabe me olhou curioso.
- Este amigo veio lhe fazer uma visita.
Nasser sorriu e perguntou-me:
- Quem é você?!
- Gilberto, amigo de Maria do Céu.
- Salamaleco! Seja bem-vindo, amigo!Ela me telefonou avisando que você viria... Como me achou aqui?
- Foi a Divina Providência quem me trouxe. Fui assaltado, ferido e alguém me trouxe para cá e minha amiga Rebeca me deu uma grande ajuda.
- Obrigado, Rebeca... E como está?! – Indagou-me chocado.
- Agora estou bem.
- Estava escrito.
- Vou deixá-los a sós – disse a bondosa enfermeira – Se precisarem, me procurem.
Agradecemo-la e ela se foi.
- E você, Nasser? Como está?
- Agora melhor, pois tenho um amigo para me fazer companhia.
- Vai ser um prazer ajudá-lo. Não tem família aqui?
- Não e tudo foi muito rápido! A pessoa que é mais próxima de mim é minha vizinha e tem dois filhos para criar. O marido morreu há um ano.
- Acho que foi ela que disse a Rebeca do seu internamento.
- Estou certo disso.
- Quando receberá alta?
- Se tudo correr bem, amanhã.
- Ficarei com você.
- Isso é muito bom!
Meu novo amigo aparentava ter a mesma idade que eu. Era belo e encantador com seus olhos expressivos e seu sorriso largo. Eu me senti acolhido por ele. Estava seguro.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O Cigano Peregrino - 39

CAPÍTULO VI

CAIRO

“Em vez de cabelos trançados, teremos turbantes de Tutankhamon”.
Carlinhos Brown.

Havia grande movimento no aeroporto da capital egípcia e me senti um tanto sufocado. Tentei telefonar para Nasser, mas não obtive resposta. Chamava e ninguém atendia. Dei um tempo no aeroporto, visitei lojas, observei pessoas e voltei a ligar várias vezes sem sucesso. Eu precisava pensar em algo, arranjar um lugar para pernoitar e continuar tentando entrar em contato com o amigo de Maria.
Comprei um guia de hotéis e como tinha pouco dinheiro, procurei os mais baratos. Além da minha mochila, eu levava uma mala que Maria do Céu havia me presenteado e nela estava todo o dinheiro que me restava e algumas roupas que ela também me deu.
A noite caía e eu decidi procurar pelo hotel que mais se adequava à minha situação. Estava louco para esticar o corpo e dormir um pouco, só que algo inesperado aconteceu: fui abordado por dois homens num assalto. Eles queriam a mala! Instintivamente tentei segurar meu pertence e recebi um soco na cara e senti uma dor fria na barriga. Caí no chão, eles pegaram a mala – que não era grande – e saíram correndo. Quando toquei no lado do abdome, senti algo escorrendo: era sangue. Um dos assaltantes havia me furado com alguma arma branca. Perdi os sentidos.

Acordei sentindo-me mal e fraco no dia seguinte. Uma jovem e bondosa enfermeira me tranquilizou e pediu que eu permanecesse quieto, pois naquele momento estava tudo bem. Perguntei-lhe se havia morrido. Ela sorriu e disse que aquilo ainda iria demorar de acontecer e que eu não me preocupasse com minha mochila, pois estava com ela. Eu estava na emergência de um hospital.
- Felizmente a perfuração foi superficial. Fiz um curativo e você ficará logo bem – acalmou-me. – Olhei seus documentos... Que faz aqui, brasileiro?
- Uma peregrinação.
- É muçulmano?
- Não. Cigano. Como se chama?
- Rebeca.
- É um prazer conhecê-la, Rebeca, eu sou...
- Gilberto.
- Isso mesmo.
- Quem é Nasser?
- Um amigo de uma amiga. Ela me deu o telefone dele... Disse que ele mora aqui no Cairo, mas não consegui manter contato.
- Vi o papel que está com o nome e o telefone dele no seu bolso e quando você estava com febre, chamou várias vezes por ele e por Maria.
- Você poderia localizá-lo para mim?
- Vou ver o que posso fazer.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

O Cigano Peregrino - 38

Nos dias que se seguiram, vivemos de amor e sabedoria. Ela me falou do Arquétipo do Macho Alquímico e da Noiva Sagrada e fizemos correlações mitológicas interessantíssimas entre Jesus-Osíris-Orfeu-Logos e Maria Madalena-Ísis-Eurídice-Sofia. Não fizemos as correlações baseados em fatos históricos, mas tão somente no mito, que é a história repetida com o passar do tempo em locais e com personagens diferentes num padrão arquetípico, e foi interessante estabelecer paralelos, por exemplo, entre Jesus e Osíris. Ambos, mitologicamente, trazem a tônica do Macho Ferido – e morto – e justamente tal sacrifício deixa para a humanidade o legado da morte e do renascimento.
Como Ísis reúne as partes de Osíris e o sepulta, Maria Madalena acompanha Jesus até o final do martírio e é a primeira a vê-lo após a Ressurreição – segundo o mito bíblico; e também segundo este mesmo mito, Jesus resgata Maria Madalena do “pecado”; assim como Orfeu vai em busca da amada no Inferno e o Logos desce dos céus para resgatar Sofia das paixões mundanas . A União Sagrada traz a Luz.
O masculino e o feminino se juntam para se salvarem porque ambos são igualmente fortes e complementares. Um sem o outro não faria sentido.
Conhecer Maria do Céu foi uma das melhores coisas que aconteceram em minha vida.

Com Maria fui a encantadoras Casas de Fado e me deleitei nas noites lusitanas. Tudo entre nós era bastante divertido. Ela me levou a outros lugares da Europa: conheci Paris e me apaixonei por aquela cidade estranha; em Roma, fiquei maravilhado com tanta arte espalhada pelas ruas e em Madri nos deliciamos em tavernas onde dançavam flamenco.
Eu suguei de cada instante o néctar. Os beijos doces e quentes de minha amada me faziam mais homem, mais deus... Fazer amor com ela era transcender a transitoriedade do orgasmo e a sensação de prazer se prolongava por dias e se juntava às doçuras de novos orgasmos, tornando-se bônus de prazer.
Vivemos nesse sonho por três meses.
Até que senti o vento querendo me levar da agradável Sintra e do aconchego daquela mulher inigualável. Ela também o percebeu e quando menos esperei me presenteou com uma passagem para o Cairo. Ela sabia do meu itinerário. Também me deu um papel dobrado com um nome e um número de telefone:
- Chegando lá, ligue para esse homem. Nasser é um amigo de longas datas. Há muito que não nos vemos... Diga-lhe que mando um forte abraço. Ele será um ótimo Guia para você.

Naquela tarde de domingo, demo-nos beijos doces e demorados no aeroporto de Lisboa e nos despedimos:
- Foi muito bom ter vivido contigo, Maria.
- Foi não. É. Estaremos unidos para sempre, Peregrino.
- Ainda nos veremos?
- Não mais neste mundo.
- Sinto que meu tempo aqui é curto. Mais cedo ou mais tarde estarei me cansando deste corpo abençoado que tenho e o deixarei se transformar em adubo ou comida para peixe.
Rimos.
- Jamais morreremos, Cigano.
- Jamais.
Com lágrimas nos olhos, ouvimos a chamada para o embarque. Mais um abraço apertado e um beijo calmo e sem palavra alguma nos separamos e eu parti para o Egito.

sábado, 22 de outubro de 2011

O Cigano Peregrino - 37

No quarto dia de nossa estada em Sintra, passeamos de charrete e pude sentir mais da natureza e das belezas do local. Nossa amiga era bastante popular na cidade e pudemos conhecer algumas pessoas legais. Percebi que indivíduos mais sectários, conservadores e com forte ranço católico não gostavam dela. Claro, era uma mulher livre, uma Mulher de Conhecimento, uma descendente da Linhagem Sagrada, Uma Bruxa.
Três dias depois de muitos passeios, conversas animadas, rituais mágicos, troca de experiências e muito carinho, Coiote nos deixou. Ficou um vazio em mim e em Maria. Certamente também nele... Mas sabíamos que aquilo era necessário, que saberíamos continuar e que continuaríamos nos amando, onde quer que estivéssemos.

Certa manhã, passeando no bosque com minha amiga, ela me falou:
- Eu o guiarei no acesso à Sétima Dimensão.
- Eu sei.
- Tem ideia do que seja a Sétima?
- Não.
- Nem imagina?
- Nem imagino.
- Observe esta pedra – mostrou-me uma pedra do tamanho do meu punho fechado, que estava próxima a nós – Abaixe-se. Olhe-a bem de perto...
Eu o fiz. Comecei a me concentrar na forma daquele mineral e já familiarizado com a apreensão da geometria dos seres, por ter acessado a Sexta Dimensão, captei seu conteúdo e o interiorizei.
- Agora vá além da forma... Transcenda-a...
Ouvi seu comando. Fechei os olhos e vi a imagem da pedra dentro da minha mente. Só que aí, algo novo começou a acontecer: a imagem da pedra tinha um som, uma vibração individual e inigualável! Ainda com os olhos fechados, compus em minha mente a imagem de uma charrete parada e uma nova vibração surgiu, um novo som. Então pensei na cor amarela e ouvi uma nova frequência; pensei na vermelha e percebi outra que a caracterizava e por fim na azul, através da qual pude ouvir outra manifestação sonora.
- Impressionante! – Constatei – Cada ser é gerado por um som cósmico, através da ressonância vibracional.
- Isso mesmo. Eis a Sétima Dimensão. Viaje pelas Estradas Galácticas de Luz.
Abri os olhos e me vi numa dimensão onde eu podia captar com uma nitidez absurda todos os sons e cores que estavam em minha volta e o mais impressionante daquela experiência foi que não havia confusão na percepção dos mesmos. Eu conseguia distingui-los sem problemas e sabia a origem e o significado de cada um.
- É maravilhoso, Maria do Céu!
Quando mirei minha amiga, ela estava totalmente resplandecente. Abri um enorme sorriso ao vê-la envolta naquele brilho sutil. Ela sorriu e disse-me:
- Olhe para si mesmo e reconheça seu próprio brilho.
Eu o fiz e me emocionei com o que vi e ouvi. Pude ver minha própria luz e minha sinfonia pessoal. Reconheci minha essência e sorrindo, e chorando, senti profundo amor por mim mesmo, por aquela mulher e por toda a humanidade... Por todo o Universo.
- Eu venho de muito longe, Peregrino – disse-me.
- Como assim?
- Já parou para pensar de onde veio?
- Nunca.
- Irá descobrir por si mesmo. Embora eu esteja encarnada nesse corpo terráqueo, venho de Andrômeda, mais precisamente de um planeta chamado Aion. O sistema solar de Andrômeda é parecido com o da Terra, mas há uma diferença gritante entre os habitantes de Aion e os daqui.
- Qual?
- Os habitantes desse planeta são multitraumatizados. Possuem traumas profundos coletivos e individuais de milhares de encarnações. Escravizaram-se à Roda de Samsara e por mais que avancem a cada jornada, a maioria não consegue se libertar dos ciclos intermináveis de morte e renascimento. Viciaram-se à prisão reencarnatória. Acostumaram-se ao limite e à crença idiota de que estão sendo monitorados por um programa caquético chamado Deus. Em Aion, não há traumas coletivos nem individuais. Somos felizes.
- Por isso você é tão... Luminosa, tão livre, tão...
- Eu mesma. A Deusa.
- Nós orientamos nossas culturas com sinfonias cósmicas e códigos usando a Ciência Sagrada. Por isso amo tanto a música. Minha missão é ensinar a quem queira aprender, que não há distinção entre mim e Deus-Pai-Mãe. Sabe por quê?
- Por quê?
- Porque Eu Sou. Porque toco a melodia composta, cantada e tocada por Cristo. Ele é o bem amado Cantor do Infinito e sua música é o Hino do Amor, a maior de todas as forças. Quando Ele canta ou toca tem a finalidade de despertar o amor no coração da gente e só o amor cura qualquer trauma, qualquer doença, qualquer tristeza. Sabe qual foi a grande jogada de Jesus no sentido de ajudar a Humanidade a se curar e a ser feliz?
- Não.
- Ele teve filhos e essa estratégia hereditária disseminou sua música pela biologia humana, ocasionando o despertar das células, do DNA. O fato de estarem surgindo cada vez mais seres humanos “acordados” é a grande arma contra líderes inescrupulosos que usam do medo e da dor para manipularem as pessoas e as acorrentarem no cativeiro das tiranias políticas, religiosas e sociais. O Governo do Amor se aproxima, Peregrino. Não haverá mais sofrimento.
- Há algum tempo saiu um documento ridículo do Vaticano declarando que a Igreja Católica Apostólica Romana seria a única Igreja que representa Cristo na face da Terra. Fiquei tão indignado!...
- Não entre nessa vibração. Ignore a Igreja. Não há mais Igreja Católica Apostólica Romana, mas só um espectro dela. Aliás, não há mais nenhuma religião das elites organizadas; só espectros e alguns pobres coitados que ainda precisam ser manipulados. O ser humano deve se voltar para o Sagrado, para dentro de si mesmo, para o prazer, a auto-realização, a auto-cura e o amor incondicional. E nas religiões organizadas é onde isso menos se encontra. Regras desumanas, sacerdotes e sacrifícios jamais serão o caminho da verdadeira Iluminação. Elas rejeitam o Macho Sagrado, o Jesus Viril transbordando esperma e alegria. Elas rejeitam o Cristo Erótico, porque temem o Poder do Gozo. O Gozo liberta e cria em todos nós a consciência de que somos mais numerosos e poderosos do que a Elite.
- Se assumirmos o controle da nossa mente, não precisaremos mais de governos e hierarquias opressoras. Seremos senhores de nós mesmos. Seremos Cristos!
- Isso mesmo, Peregrino.
Um bando de pássaros passou cantando naquele momento. Ela sorriu e respirou profundo:
- Veja, não são lindos?
- Sim. Muito lindos!
- Todos estão indo para o oeste. Sabe por quê?
- Não.
- Eles migram seguindo as linhas de energia da Galáxia. Quando cantam despertam nossa energia sexual criadora e elevam nosso potencial criativo. Se ligue no canto dos pássaros sempre e saberá o que acontece em todo Cosmos sem ter necessidade alguma de estudar Astronomia. Quando a Terra vivia conforme o Som Sagrado que há em tudo, era mais feliz. Trataram de complicar e sofisticar demais a vida e com isso destruíram o que há de mais divino na espécie humana: O Instinto Natural... Mas os bons tempos estão chegando. Os bons tempos, a boa nova e as verdadeiras bem-aventuranças. Pense num lago...
Pensei e um lago surgiu em nossa frente.
- Excelente! Agora pense numa música.
Pensei em “Primavera” de Vivaldi e a música soou de dentro da minha mente e se expandiu pelo ambiente, mas o que me chamou a atenção foi ver os padrões geométricos que se formavam na água à proporção que a melodia corria solta. Eram imagens lindas!
- Pense numa música que lhe transmita desconforto... – Ela sugeriu e eu pensei.
Surgiu uma música barulhenta e irritante que criou formas geométricas e desenhos nada harmônicos na água. Aquilo foi gerando em mim tanto mal-estar que cheguei e vomitar. Maria do Céu me amparou, sentou-me encostado no tronco de uma árvore e esperou até que eu me refizesse.
- O Universo, Peregrino – disse-me – é regido por Cordas. É Som. Luz! Frequências são moléculas que dançam com o ar. Elas configuram as formas e estas chegam ao som e à luz. O que você pode concluir dessa experiência e do que tenho lhe dito?
- Minha mente pode alterar os fatos. Eu só preciso crer que posso fazê-lo.
- Isso é ser Deus. Isso é se tornar sujeito da própria história e eliminar réus e ciclos viciosos. Muita gente diz que não está vivendo a vida que deseja, que não está vivendo na relação ideal, que não está na profissão nem na casa dos sonhos. Quando vejo alguém falando esse tipo de besteira, questiono: Mas o que você está fazendo concretamente para mudar isso? Geralmente a pessoa faz uma cara amarela e responde “Nada”. Aí encerro a conversa dizendo: Então pense - talvez você esteja exatamente onde mereça estar.
- Isso é ser Cristo. Assumir o controle da própria vida e gerar o que realmente pode me fazer feliz, mantendo o amor e o respeito ao próximo como a mim mesmo.
- Você me faz vibrar! – Disse-me abraçando-me.
Uma onda deliciosa de energia percorreu nossos corpos e eternizamos aquele abraço. O desejo de nos fundirmos num só foi tão avassalador, que a paixão brotou de nossos poros e o Amor de nossos átomos. Despimo-nos e ela dançou para mim. Era tão sedutora que eu não via a hora de tê-la em meus braços e quanto mais aquele jogo de sedução se desenrolava, mais felizes ficávamos.
Ali mesmo, tendo os espíritos das árvores e da natureza como testemunhas, realizamos nosso Hieros gamos – nossa União Sagrada.
Num dos bosques da velha Sintra, comecei a viver um novo amor.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O Cigano Peregrino - 36

No dia seguinte, fomos assistir um concerto no Palácio da Pena, no alto da Serra. Parte do acesso fizemos de carro. Depois um ônibus da empresa que toma conta do local foi nos buscar e a outros tantos que se juntaram a nós. Tudo ali era muito bonito e romântico e nos deixamos embalar pela majestosa música barroca.
Ao final, fomos a um café e começamos a falar de Sintra:
- Gostei muito do Palácio Nacional – comentei.
- O Paço é muito bonito – comentou Maria do Céu, séria. – Foi construído em duas etapas: a primeira no reinado de D. João I e a última, no de D. Manoel I. Tem toda aquela riqueza de azulejos, a suntuosidade, mas também foi palco de coisas doentias no passado.
- Como assim? – Perguntou Coiote.
- Uma rivalidade bizarra que houve entre dois irmãos: Dom Pedro e Dom Afonso VI. Pedro era louco e invejoso. Morria de despeito do irmão e forjou uma situação na qual colocou seu objeto de inveja como louco e o manteve preso por nove anos, usurpando sua mulher e seu trono.
- Que horror! – Exclamou Coiote – O poder muitas vezes destrói coisas que poderiam ser belas.
- É verdade, meu amigo. Nem só de belezas vive Sintra, mas acredito que aqui há mais delas do que de feiúras.
- Com certeza. Quantos habitantes há aqui? – Perguntei.
- Cerca de 23 mil.
- Você é daqui? – Foi a vez de Coiote.
- Não. Nasci em Coimbra, cresci, estudei, namorei, casei, tive filhos e morei por lá até os 35 anos, quando me divorciei do marido. Como pari muito jovem, meus filhos já estavam feitos e então decidi viver aqui, sozinha e assumi minha vida de estudos, experiências e de ajuda à humanidade a fim de ampliar corações e mentes.
- E como eles estão hoje?
- 25 anos se passaram. Estamos todos bem. Cada um na sua trilha.
- Fale-nos mais de Sintra – pedi.
- Aqui era o local preferido pelos reis portugueses para seus veraneios. Devia ser um fastio! Dentre as muitas coisas que amo aqui, posso situar o centro histórico...
- Amei os restaurantes! – Exclamou Coiote.
- Também os amo. Gosto da aura da cidade. Sintra é um reduto alquímico. Amanhã vou levá-los para passearmos de charrete. Vão adorar! Viram aqueles azulejos maravilhosos do Paço?
- Vimos.
- São os mudéjares e foram trazidos pelos mouros. Eles viveram aqui por algum tempo e plantaram muito da sua cultura. Em 1992, além de já ser Patrimônio Mundial, Sintra se tornou Paisagem Cultural.
- Tudo aqui transpira cultura! – Exclamei. – Há também uma tônica muito mística aqui.
- A magia da serra, a solidão, a floresta sempre atraíram monges e eremitas no passado. Hoje, Xamãs, Ocultistas, Bruxos, Alquimistas e Iniciados em geral gostam de viver experiências nesse cantão – Revelou-nos Maria do Céu.
A conversa seguiu animada. Nossa adorável anfitriã nos contou casos da cidade, histórias, lendas e recitou poesias. Era uma mulher mais do que apaixonante!

terça-feira, 11 de outubro de 2011

O Cigano Peregrino - 35

CAPÍTULO V

SINTRA

“Ai que ninguém volta ao que já deixou...”
Pedro Ayres Magalhães.

Chegamos a Sintra em plena Festa em Honra a Nossa Senhora da Purificação. Novenas, festas, movimento, animação, quermesse... Lembrei-me da minha vida de padre e tive a impressão de que se passara tanto tempo dela até aquele instante... Eu e Coiote nos hospedamos num hotel no centro da pequena e aconchegante cidade pela qual me apaixonei à primeira vista. Como aquele lugar me encantou!
Tudo ali parecia sonho. A imponência do Palácio dos Mouros sobre aquelas duas colinas me fez dar grandes voltas no tempo. Tudo ali estava impregnado de memórias e emoções. A cidade é cheia de cores e charme. Senti-me profundamente seduzido por ela e se não fosse um peregrino, viveria ali até o fim dos meus dias na Terra. A perfeição arquitetônica me levava ao gozo e quando fomos à Quinta da Regaleira, tive orgasmos múltiplos. Ao ver as Chaminés Gêmeas do Palácio Nacional, reportei-me às Torres Gêmeas dos Estados Unidos. 11 de Setembro...
Captando meus pensamentos, Coiote me advertiu:
- Pare com isso, mestre. Esse momento não é trágico. É belo. Embora Jakim e Boaz tenham caído por lá. Aqui ficarão de pé.
- Que significa Jakim e Boaz?
- A Justiça e a Bondade. As Duas Colunas que sustentam o mundo, os templos, as Lojas Esotéricas e Sociedades Secretas.
- Não me simpatizo com Ordens Secretas.
- Tem gosto para tudo. Existem pessoas que adoram sectarismo; outras amam brincar de mistérios e outras se libertam e vivem o oculto e o explicito com leveza e simplicidade.
 Estávamos já cansados do nosso tour particular e decidimos voltar para o hotel. Próximo a ele havia um simpático restaurante, onde entramos para comer alguma coisa. Sentamo-nos a uma mesa. O garçom com o seu elegante “português de Portugal” nos saudou e nos entregou o cardápio.
Pedimos vinho e salmão. Conversa vai, conversa vem. Senti um olhar direcionado a mim e ao mirar a direção para a qual me senti atraído, vi uma bela senhora do ar jovial que me olhava e sorria para mim. Ela era gorda como a Deusa Mãe, tinha os cabelos grisalhos presos num charmoso coque, a pele branca, olhos claros; usava vestido azul claro e me passou uma sensualidade tamanha que mexeu com todas as minhas células. Sorri para ela. Coiote olhou para ela e também se encantou com o seu sorriso e sua presença mágica que enchia aquele ambiente de feminilidade e poder
Ela sutil e elegantemente nos convidou para nos sentarmos à sua mesa. Como cães fiéis e obedientes, fomos ao seu encontro.
Ao chegar diante daquela dama encantadora, cumprimentei-a:
- Boa tarde, senhora! Eu sou Gilberto e é uma honra conhecê-la.
Beijei-lhe a mão perfumada e fresca.
- A honra é minha, senhor – respondeu-me sedutora, a portuguesa – Sou Maria do Céu, ao seu dispor. Sente-se, por favor.
- Boa tarde, minha dama! – Falou Coiote galante – Coiote Vermelho.
Ele também lhe beijou a mão.
- Boa tarde, Homem de Conhecimento.
Ele se sentou também.
O garçom que ia levando o vinho para a mesa que ocupávamos, trouxe para a que estávamos no momento e perguntou-nos se desejaríamos mais uma taça. Maria do Céu aceitou. Cedi minha taça para ela, o garçom os serviu e imediatamente ele trouxe a minha, serviu-me e brindamos:
- A este reencontro – disse ela.
- A este reencontro – dissemos nós.
- Sonhei com vocês hoje. Eu sabia que iria encontrá-los.
- Conte-nos seu sonho – pediu Coiote.
- Eu estava no Castelo dos Mouros. Já foram lá?
- Fomos – respondi. – É magnífico!
- Para mim, desde a caminhada, a magia começa a acontecer. Os bosques, o canto dos pássaros, os Guardiões da Natureza e o próprio fato de termos de estar usando roupas e sapatos confortáveis para adentrarmos num Castelo já é bastante irônico, não acham? – Rimos – Não há nada mais desconfortável do que a nobreza... Então eu me via neste Castelo e ambos chegavam e começavam a andar pelo lugar. Até que nos encontrávamos na Capela do Conselho e eu lhes dizia: “Que bom que chegaram!” Abraçávamo-nos e você, Coiote me entregava um presente e fazia recomendações para que eu cuidasse muito bem dele, pois era raro e precioso. Assim o sonho se findou.
- De onde nos conhecemos, Bruxa? – Perguntou Coiote.
- Não tenho ideia, Xamã. Que presente é esse que tu vais me ofertar?
Coiote olhou-me. Havia ao mesmo tempo tristeza e alegria em seu olhar. Tristeza por saber que estava se aproximando a hora de nos separarmos fisicamente. Alegria por estar me deixando aos cuidados de uma Verdadeira Sacerdotisa.
Coiote olhou para Maria do Céu e ela leu nas janelas da sua alma a complexidade de sentimentos que ali jorravam em forma de duas lágrimas tranquilas. Ela apertou a mão dele e afagou-lhe a face.
- Gilberto é o presente, minha irmã.
Ela me olhou carinhosamente.
- Por que tem de deixá-lo? Vejo que um lado seu não quer fazê-lo... Mas um outro diz que isso é preciso. Por quê?
- Ele é um Peregrino. Está de passagem.
Ela me olhou com grande respeito.
- Cuidarei bem dele, Coiote Vermelho. Pode confiar.
- É claro que confio. Antes de virmos para cá, ainda em Sidney, sonhei contigo.
- Conte-me seu sonho – ele pediu.
- Sonhei que chegava a um banquete e a notei porque você segurava um cálice durante todo o tempo. Até que você se aproximava de mim, me olhava, olhava o cálice e eu também o fazia. Havia vinho. Você sorria e eu acordei. Santo Graal?
- Sim – respondeu emocionada.
Eles se apertaram as mãos cheios de alegria.
- Em mim corre o sangue da Noiva Exilada e do Rei Sagrado. Só que os tempos são de Luz e a Noiva volta do deserto, Gloriosa, limpa a mancha forjada pela igreja e assume sua Soberania e Majestade, marcando o retorno do Feminino ao Trono, o que significará um Tempo Áureo até que a Noite Galáctica torne a reinar sobre a Terra.
- Do que vocês estão falando?! – Questionei aturdido.
- Vê esta Mulher, Peregrino?
- Sim.
- Ela é a encarnação do Logos. A Deusa Sofia.
- Se em você corre o sangue da Noiva e do Rei. Geneticamente isso quer dizer que... Você é descendente de Maria Madalena e de Jesus?
- Presente inteligente e brilhante.
Nosso salmão chegou. Comemos, bebemos e partilhamos nossas histórias. Ela adorou saber que eu era filho de cigano e vibrou com os casos que contei dos Sete Ciganos. Falamos de Santa Sara, a filha do Casal Sagrado e padroeira do meu povo, falamos de tantas coisas e só fomos sair do restaurante à noite.
Maria do Céu convidou-nos para nos hospedarmos em sua quinta. Aceitamos. Fechamos a conta no hotel e rumamos para aquela morada bela e aconchegante.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O Cigano Peregrino - 34

Quando despertei, estava na cama de Coiote Vermelho. Sentado na poltrona, ele me olhava docemente e sorriu para mim quando me viu acordado. Retribui-lhe o sorriso e com um gesto, eu o convidei para se juntar a mim. Ele atendeu ao meu convite, despiu-se, despiu-me carinhosamente e nos tornamos Um.

O tempo foi passando. Fazer amor com Coiote era tranquilo e diferente de tudo o que eu havia vivido até ali. Ele era doce, leve e a cada dia o amor que sentíamos um pelo outro crescia. Continuei amigo de Bruce e Jéssica, mas passei a manter certa distância deles, a fim de me preservar. O dinheiro que eu ganhava dava para viver bem e outra parte eu guardava para a viagem.
Certo dia, pensando na angústia que seria viajar sem Coiote, eu lhe propus:
- Por que não viaja comigo?
Ele riu, tomou um gole do chá, afagou-me os cabelos e me olhou com doçura:
- Bem que eu queria, mas nada é definitivo ou para sempre.
- É horrível sempre ter de deixar alguém...
- Qual será o próximo lugar depois daqui?
- Sintra.
- Tudo bem. Dessa vez você não deixará ninguém, mas será deixado.
Eu ri curioso e ele continuou:
- Vou contigo a Sintra, passarei uns dias em sua adorável companhia e depois voltarei para cá. Que me diz?
Sorri e gostei muito da ideia.
- Enquanto isso, vivamos o presente e o que ele tem a nos oferecer.
- Concordo.

Dias depois, eu iria folgar e ele me propôs que fizéssemos um passeio. Queria que eu conhecesse um amigo dele em Auckland e é claro que topei.
Pegamos um avião em Sidney e duas horas depois estávamos chegando ao nosso destino. Pegamos um táxi e fomos parar num local interessante num bairro da cidade. Vi algumas pessoas bonitas com traços indígenas e perguntei-lhe se aquele lugar era uma reserva Maori, ao que ele me respondeu:
- Digamos que sim. Aqui é um Marae ou Casa Ancestral. É um dos vários redutos Maori que existem por aqui.
Ele perguntou algo em Maori a uma bela mulher que sorriu e indicou-lhe uma direção.
- Que perguntou a ela?
- Onde nós poderíamos encontrar o Sr. Apirana?
- É seu amigo?
- Sim.
Chegamos a uma sala espaçosa, da qual saíam cerca de vinte crianças alvoroçadas Maori de uma aula. Topamos com um senhor belo e respeitável sorrindo para nós. Aproximamo-nos dele, que recebeu Coiote com um afetuoso abraço e depois lhe perguntou em inglês:
- Esse é o Cigano de quem você me falou?
- Sim.
- Como vai, Cigano? Eu sou Apirana. É uma honra conhecê-lo.
- Sinto-me igualmente honrado, Sr. Apirana.
Abraçamo-nos e foi como se nos conhecêssemos havia anos. Por ter desenvolvido certa habilidade de aprender línguas do planeta quando estive nos mundos subterrâneos, no contato com o índio, na interpenetração de nossos corpos, acessei em minha memória celular as lembranças daquele idioma e quando me dei conta, estava falando Maori:
- Penso que podemos nos comunicar em Maori.
Ele sorriu e exclamou:
- Interessante! Fala tão bem que parece ter tomado anos de aula ou já ter nascido um de nós. Aprendeu bem a acessar a memória da Terra.
- Eu não lhe disse que ele era bom? – Falou-lhe Coiote.
Sentamo-nos e Apirana prosseguiu:
- Estou muito feliz porque vejo que nosso esforço incansável de preservar a língua e a cultura do meu povo está dando maravilhosos frutos. Aquelas crianças que vocês viram sair daqui falam o inglês, mas tem orgulho de saber falar o idioma dos ancestrais delas.
- Você ensina há muito tempo, não é, amigo? – Perguntou-lhe Coiote.
- Sim, Coiote. Nasci para isso, mas que surpresa boa tê-los aqui. O que os traz a nosso Marae?
- Como eu te disse, Gilberto é um Peregrino e está fazendo o roteiro das Sete Cidades. Por isso foi parar em Sidney. Em breve, estará partindo para Sintra e penso que vir à Nova Zelândia e não conhecer a cultura Maori é o mesmo que não vir. Por isso eu o trouxe aqui.
- Bom, Coiote. O que quer saber do meu povo, Peregrino?
- Tudo o que o senhor puder me mostrar.
- Para inicio de conversa, nada de formalidade comigo. Pode me tratar por “você”. Nasci em Whakatohea, na Ilha do Norte, e sou descendente dos Opotiki. Desde que me entendo por gente, venho trabalhado pela preservação da cultura Maori, bem como da inserção do meu povo na civilização e na modernidade.
- Os Maori sempre estiveram aqui?
- Não. Chegamos aqui há mil anos atrás em nossas canoas construídas para viagens de longa distância. E embora constituamos hoje apenas 14% da população neozelandesa, nossa língua e cultura possuem grande significado no estilo de vida do nosso país.
- De onde vieram? – Perguntei.
- Da Polinésia, cujos ancestrais são asiáticos, contudo estudiosos também dizem que viemos de regiões da América do Sul, do Norte, Israel, Egito, Índia e Grécia.
- De que regiões da América do Sul?
- Do Peru ao Chile.
- Fantástico! O que significa a palavra Maori?
- “Normal, natural, nativo” e este termo surgiu quando os europeus aqui chegaram, para nos distinguirmos deles, aos quais denominamos Pakena. Antes de eles pisarem aqui, vivíamos isolados em nossas tribos, com nossas coisas e ainda que tenham conspurcado muito de nossa cultura, foi sorte nossa terem nos descoberto só em 1830. O estrago que causaram aqui, portanto, não foi tão grande quanto nas colônias americanas. E não pense que com esse discurso eu seja totalmente contra eles. De jeito nenhum. Reconheço também que trouxeram para cá muitas coisas boas.
- Tenho profundo interesse pela cultura de cada povo que conheço – falei.
- Nossa cultura é riquíssima! O tradicional e o moderno caminham lado a lado. Temos o hábito de colocar tatuagens no corpo, e nosso folclore é cheio de esculturas, pinturas, danças, rituais, histórias, lendas, ciência e magia.
- Fale-me do hábito das tatuagens.
- Embora não cubramos tanto os nossos corpos como outros irmãos nossos do Sul de Oceano Pacifico, somos conhecidos por nossas tatuagens.
- Você tem alguma?
- Tenho algumas no corpo, mas os Maori sempre trabalharam de uma forma incomum com elas: o costume manda que se tatue o rosto. O que usávamos em madeira, passou a ser usado em nossas faces e com a chegada dos europeus que trouxeram os metais, a arte ficou mais incrementada. Muitos de nós tinham o costume de remover a cabeça de nossos chefes, depois de mortos, e preservá-las. Isso significava honra. Cada tatuagem tem sua razão de ser. É uma marca para o resto da vida e por isso não deve ser desprovida de sentido. Quando os colonizadores se deram conta do nosso estranho costume, muitos colecionadores excêntricos do mundo quiseram possuir as cabeças tatuadas e isso deu inicio a um tráfico vergonhoso do que para nós era um costume honorável. A discórdia foi semeada e os Maoris lutavam entre si nas disputas por terra e as cabeças das vítimas desses combates tornaram-se mercadoria.
- É lamentável!
- Coisas da vida, meu rapaz...
- E hoje, como vocês vivem?
- Como você pode ver, bem. Tivemos que fazer ajustes para convivermos com a dominação européia. Tivemos que migrar do interior para a cidade em busca de emprego. Tivemos que abandonar a economia de subsistência que praticávamos nos campos, na caça e na pesca e aprendermos a controlar despesas e lidar com a vida urbana, constituindo organizações que visavam a ajuda mútua, no sentido de nos adaptarmos a novos costumes. Após 1960 com a febre do trabalho compulsivo, do desejo de lucro a qualquer custo e do consumismo, enchemos nossas casas de eletrodomésticos e nos iludimos gozando desse status, mas aí veio a recessão. Foi terrível! Mas vejo isso como aprendizagem: os desmandos da modernidade fizeram com que nos afastássemos de nossa sabedoria. A consequência deles foi a ruína e ela seria a ponte de um possível retorno às nossas origens. Não que voltássemos a ser o que éramos. Impossível! Mas passamos a nos esforçar para manter o equilíbrio entre o passado e o presente.
- Como isso aconteceu? – Perguntei interessado. A narrativa de Apirana era por demais sedutora. Ele era um excelente contador de histórias.
- Com a mudança da nossa cultura para o meio urbano, buscamos adaptar as tradições para as novas condições. Quando algum de nós morria, tirávamos todos os móveis da casa para que o defunto fosse posto nela e recebesse as últimas homenagens dos amigos e parentes. Finalizadas estas homenagens, alugávamos um ônibus para transportar o corpo para o campo a fim de o sepultarmos junto aos ancestrais.
- Dessa forma foram mantendo a permanência dos seus aspectos culturais mais queridos – conclui.
- Sim. Era muito bonito ver as pessoas se associando para arrecadar dinheiro e propiciar os funerais de volta ao campo. E assim como havia essa tendência gregária para rituais fúnebres, outros grupos começaram a se organizar no sentido de ensinar aos mais jovens as danças e cantigas tradicionais. Outros formavam grupos esportivos e a unidade Maori foi se tornando forte outra vez. Eventos artísticos e esportivos foram acontecendo e após eles comíamos e bebíamos, festejávamos e foi daí que surgiram os Maraes.
- E quanto ao artesanato?
- Toda colonização desorganiza a cultura já existente. Perde-se o referencial de uma língua-mãe, de uma identidade e de costumes que refletem a verdadeira alma de um povo. Só que nada é eterno e o fenômeno colonizador se inclui nisso. Muitos de nós têm ensinado à nova geração a trabalhar com a tecnologia da pedra e com a arte da tecelagem de fibras e a receptividade é excelente e comprova que a raiz de um povo colonizado pode superar a aparente força do colonizador. Basta esse povo querer.
- Fale-me de medicina Maori – pedi.
- É basicamente naturalista e também passada pelos antigos aos mais novos.
- O que os Maori pensam do futuro?
- Não pensamos no futuro e isso talvez se constitua um dos nossos principais choques com a cultura europeia. Vemos-nos sempre contemplando o passado, que é o que conhecemos. Para nós importa o passado e o presente. Através do passado, viajamos para o futuro, remando contra a maré.
- E o presente, Apirana?
- Nosso presente é viver o Pan-Tribalismo. Todas as Tribos numa só. E isso não se refere só aos Maori, mas à Aldeia Global que uns chamam Terra e eu chamo de Gaia.
- Tudo isso é multicultural. Sinto-me como se estivesse em meu pais! – Exclamei emocionado.
- E quem disse que você não está? E aquela sensação que você teve quando nos abraçamos. Estamos apenas nos reencontrando Homem dos Mil Caminhos. Você também já foi um Maori e sendo assim, ainda o é.
Fechei os olhos e me vi na pele de um guerreiro Maori numa performance ritualística magnífica em que simulávamos um combate e assustávamos o inimigo com nossas terríveis caretas e bravuras e por fim perguntei ao meu amigo:
- E quanto à religião?
- Não há nada definido. O cristianismo das igrejas fez muitos estragos. Muitos de nós deixaram a espiritualidade natural com a qual nascemos para cultuar esse Deus Branco... Outros se mantém ligados aos Nossos Deuses, à Natureza, à Fonte Verdadeira de onde tudo veio e para onde tudo retornará.

À noite, participamos de uma grande festa no Marae. Fiz várias amizades, cantei, dancei, ri, ouvi histórias, contei lendas do meu povo e assim com me encantei com aquelas pessoas tão ricas, tão plurais, sei também que as seduzi com minha riqueza e ecletismo.
No dia seguinte, despedimo-nos de nosso amigo e dos demais e voltamos a Sidney. Eu me sentia pleno e poderia morrer naquele momento e partiria muito feliz. Captando meus pensamentos, Coiote falou:
- Nunca se esqueça de que você é o Senhor da sua Vida e da sua Morte.
- Por que está repetindo isso?
- Para que você não hesite quando decidir sair do planeta.
- Isso é uma previsão?
- E o que não é, meu amigo?

Passei mais seis meses naquele lugar paradisíaco, vivendo milhões de viagens fantásticas com meu companheiro. Ele juntou algum dinheiro; eu também, juntamos os nossos, despedi-me dos amigos e voamos para Lisboa e de lá, para Sintra.