terça-feira, 11 de outubro de 2011

O Cigano Peregrino - 35

CAPÍTULO V

SINTRA

“Ai que ninguém volta ao que já deixou...”
Pedro Ayres Magalhães.

Chegamos a Sintra em plena Festa em Honra a Nossa Senhora da Purificação. Novenas, festas, movimento, animação, quermesse... Lembrei-me da minha vida de padre e tive a impressão de que se passara tanto tempo dela até aquele instante... Eu e Coiote nos hospedamos num hotel no centro da pequena e aconchegante cidade pela qual me apaixonei à primeira vista. Como aquele lugar me encantou!
Tudo ali parecia sonho. A imponência do Palácio dos Mouros sobre aquelas duas colinas me fez dar grandes voltas no tempo. Tudo ali estava impregnado de memórias e emoções. A cidade é cheia de cores e charme. Senti-me profundamente seduzido por ela e se não fosse um peregrino, viveria ali até o fim dos meus dias na Terra. A perfeição arquitetônica me levava ao gozo e quando fomos à Quinta da Regaleira, tive orgasmos múltiplos. Ao ver as Chaminés Gêmeas do Palácio Nacional, reportei-me às Torres Gêmeas dos Estados Unidos. 11 de Setembro...
Captando meus pensamentos, Coiote me advertiu:
- Pare com isso, mestre. Esse momento não é trágico. É belo. Embora Jakim e Boaz tenham caído por lá. Aqui ficarão de pé.
- Que significa Jakim e Boaz?
- A Justiça e a Bondade. As Duas Colunas que sustentam o mundo, os templos, as Lojas Esotéricas e Sociedades Secretas.
- Não me simpatizo com Ordens Secretas.
- Tem gosto para tudo. Existem pessoas que adoram sectarismo; outras amam brincar de mistérios e outras se libertam e vivem o oculto e o explicito com leveza e simplicidade.
 Estávamos já cansados do nosso tour particular e decidimos voltar para o hotel. Próximo a ele havia um simpático restaurante, onde entramos para comer alguma coisa. Sentamo-nos a uma mesa. O garçom com o seu elegante “português de Portugal” nos saudou e nos entregou o cardápio.
Pedimos vinho e salmão. Conversa vai, conversa vem. Senti um olhar direcionado a mim e ao mirar a direção para a qual me senti atraído, vi uma bela senhora do ar jovial que me olhava e sorria para mim. Ela era gorda como a Deusa Mãe, tinha os cabelos grisalhos presos num charmoso coque, a pele branca, olhos claros; usava vestido azul claro e me passou uma sensualidade tamanha que mexeu com todas as minhas células. Sorri para ela. Coiote olhou para ela e também se encantou com o seu sorriso e sua presença mágica que enchia aquele ambiente de feminilidade e poder
Ela sutil e elegantemente nos convidou para nos sentarmos à sua mesa. Como cães fiéis e obedientes, fomos ao seu encontro.
Ao chegar diante daquela dama encantadora, cumprimentei-a:
- Boa tarde, senhora! Eu sou Gilberto e é uma honra conhecê-la.
Beijei-lhe a mão perfumada e fresca.
- A honra é minha, senhor – respondeu-me sedutora, a portuguesa – Sou Maria do Céu, ao seu dispor. Sente-se, por favor.
- Boa tarde, minha dama! – Falou Coiote galante – Coiote Vermelho.
Ele também lhe beijou a mão.
- Boa tarde, Homem de Conhecimento.
Ele se sentou também.
O garçom que ia levando o vinho para a mesa que ocupávamos, trouxe para a que estávamos no momento e perguntou-nos se desejaríamos mais uma taça. Maria do Céu aceitou. Cedi minha taça para ela, o garçom os serviu e imediatamente ele trouxe a minha, serviu-me e brindamos:
- A este reencontro – disse ela.
- A este reencontro – dissemos nós.
- Sonhei com vocês hoje. Eu sabia que iria encontrá-los.
- Conte-nos seu sonho – pediu Coiote.
- Eu estava no Castelo dos Mouros. Já foram lá?
- Fomos – respondi. – É magnífico!
- Para mim, desde a caminhada, a magia começa a acontecer. Os bosques, o canto dos pássaros, os Guardiões da Natureza e o próprio fato de termos de estar usando roupas e sapatos confortáveis para adentrarmos num Castelo já é bastante irônico, não acham? – Rimos – Não há nada mais desconfortável do que a nobreza... Então eu me via neste Castelo e ambos chegavam e começavam a andar pelo lugar. Até que nos encontrávamos na Capela do Conselho e eu lhes dizia: “Que bom que chegaram!” Abraçávamo-nos e você, Coiote me entregava um presente e fazia recomendações para que eu cuidasse muito bem dele, pois era raro e precioso. Assim o sonho se findou.
- De onde nos conhecemos, Bruxa? – Perguntou Coiote.
- Não tenho ideia, Xamã. Que presente é esse que tu vais me ofertar?
Coiote olhou-me. Havia ao mesmo tempo tristeza e alegria em seu olhar. Tristeza por saber que estava se aproximando a hora de nos separarmos fisicamente. Alegria por estar me deixando aos cuidados de uma Verdadeira Sacerdotisa.
Coiote olhou para Maria do Céu e ela leu nas janelas da sua alma a complexidade de sentimentos que ali jorravam em forma de duas lágrimas tranquilas. Ela apertou a mão dele e afagou-lhe a face.
- Gilberto é o presente, minha irmã.
Ela me olhou carinhosamente.
- Por que tem de deixá-lo? Vejo que um lado seu não quer fazê-lo... Mas um outro diz que isso é preciso. Por quê?
- Ele é um Peregrino. Está de passagem.
Ela me olhou com grande respeito.
- Cuidarei bem dele, Coiote Vermelho. Pode confiar.
- É claro que confio. Antes de virmos para cá, ainda em Sidney, sonhei contigo.
- Conte-me seu sonho – ele pediu.
- Sonhei que chegava a um banquete e a notei porque você segurava um cálice durante todo o tempo. Até que você se aproximava de mim, me olhava, olhava o cálice e eu também o fazia. Havia vinho. Você sorria e eu acordei. Santo Graal?
- Sim – respondeu emocionada.
Eles se apertaram as mãos cheios de alegria.
- Em mim corre o sangue da Noiva Exilada e do Rei Sagrado. Só que os tempos são de Luz e a Noiva volta do deserto, Gloriosa, limpa a mancha forjada pela igreja e assume sua Soberania e Majestade, marcando o retorno do Feminino ao Trono, o que significará um Tempo Áureo até que a Noite Galáctica torne a reinar sobre a Terra.
- Do que vocês estão falando?! – Questionei aturdido.
- Vê esta Mulher, Peregrino?
- Sim.
- Ela é a encarnação do Logos. A Deusa Sofia.
- Se em você corre o sangue da Noiva e do Rei. Geneticamente isso quer dizer que... Você é descendente de Maria Madalena e de Jesus?
- Presente inteligente e brilhante.
Nosso salmão chegou. Comemos, bebemos e partilhamos nossas histórias. Ela adorou saber que eu era filho de cigano e vibrou com os casos que contei dos Sete Ciganos. Falamos de Santa Sara, a filha do Casal Sagrado e padroeira do meu povo, falamos de tantas coisas e só fomos sair do restaurante à noite.
Maria do Céu convidou-nos para nos hospedarmos em sua quinta. Aceitamos. Fechamos a conta no hotel e rumamos para aquela morada bela e aconchegante.

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