domingo, 31 de julho de 2011

O Cigano Peregrino - 11


Após mais uma noite de amor nas alturas, descemos e fomos para Águas Calientes.
Durante mais uma semana em que ficamos juntos, ela me levou ao Templo do Condor, à Tumba Real e a algumas praças e a cada dia íamos curtindo os momentos e nos preparando para a despedida.
Certa manhã, acordei e vi que seu lado na cama estava sem ela. Havia uma rosa vermelha e um bilhete que dizia assim:
“E tudo na vida passa. Fui para La Paz cumprir uma missão e não pense que é com alegria que me separo de você; só o faço porque sei que é preciso e muitas vezes na vida, o que nos faz feliz não é o que deve ser mantido.
Vá para “o lugar que fica entre os mundos” chamado El Moro. Um Mestre dos cabelos de fogo o espera lá.
Amo-te, Gilberto!
Para Sempre
Da tua,
Clara.”

Triste e choroso, ainda fiquei dois dias em Águas Calientes aguardando sua volta, mas foi em vão. Juntei minhas forças, “sacudi a poeira e dei a volta por cima”. Arrumei minhas poucas coisas, deixei também umas linhas escritas para ela, dizendo o quanto eu a amava e uma rosa branca.
Parti então para Lima, pois de lá, deveria me virar para ir para El Moro viver novas aprendizagens.
Fui a uma agência de turismo comprar minha passagem para New York. Com meu passaporte estava tudo bem , mas eu não tinha o visto e nem havia pensado nisso. O que poderia fazer? Foi quando me lembrei da última conversa que tive com Clara, na qual eu lhe perguntara sobre as alterações moleculares que aconteceram comigo e ela me respondeu que minha intuição me mostraria as respostas à medida que eu necessitasse.
Liguei-me em minha intuição e a resposta que obtive foi que eu deveria comprar a passagem mesmo sem possuir visto. Achei aquilo um absurdo, mas não recuei e o funcionário tentou me demover do meu intento, dizendo-me que não poderia me vender a passagem, que seria um dinheiro perdido, que poderia se prejudicar e que eu jamais conseguiria embarcar para os EUA nas minhas condições.
Foi então que olhei bem nois seus olhos e mentalmente eu lhe pedi: Deixe de conversa, rapaz, e me venda logo minha passagem.
Como por encanto o homem sorriu para mim e me vendeu a passagem com 20% de desconto. Percebi que de alguma forma, eu havia conseguido manipulá-lo. E minhas questões no momento foram: Será que foi minha forma de olhar para ele? Será que foi o meu pedido? Será que foi os dois? Será que isso tem a ver com a alteração molecular que eu sofri?
E diante de tantas perguntas, resolvi ficar alerta e me observar dali por diante, para obter minhas respostas.
Um dia depois cheguei ao aeroporto e no momento de fazer o check-in, a linda peruana me pediu o visto. Só para testar, olhei nos olhos dela e pensei: Esqueça o visto, bonita. Eu não preciso disso.
Ela sorriu sensualmente e me deu a passagem. Entrei em êxtase! Eu realmente estava conseguindo burlar o sistema com o poder da minha mente! Isso em mãos erradas poderia ser fatal, mas nas minhas, o Universo podia ter certeza de que eu nada faria para prejudicar pessoa ou nação alguma... Só que ainda estava cedo para eu “cantar de galo”. Faltava passar pela fiscalização e aterrisar nos Estados Unidos.
Enchi-me de confiança e plasmei a imagem de mim embarcando sem problemas e assim aconteceu: nem pediram meu visto, nem me revistaram. Passei tranquilo e embraquei no avião rumo a novas aventuras.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

O Cigano Peregrino - 10


Despertei aos poucos. Parecia que eu era um mamão saído de um liquidificador ligado. Senti como se nada meu estivesse no lugar. Senti a superfície de uma rocha, um cheiro de fumaça, ervas queimando e uma mão tocou suavemente a minha face. Uma mão humana, uma mão de Mulher e tinha um aroma que eu conhecia.
Abri meus olhos e me deparei com os de Clara. Que sorriso bonito!E aquilo foi tão trasncendente que me fez repassar em instantes tudo o que vivi desde que me encontrei com Xavã.
- Seja bem-vindo, Peregrino!
- Como é bom ouvir sua voz! Como é bom revê-la!
Abraçamo-nos e ela me deu uma caneca de leite quente. Eu estava muito zonzo para me levantar. Ela ficou atrás de mim e elevou meu tronco de forma que eu pudesse beber. Fiquei praticamente em seu colo, recebendo a preciosidade da sua energia maternal.
- Como foi?
- Insano!
- É. Concordo.
- Você já esteve lá?
- Vou sempre que posso.
- Então nem preciso dizer como foi. Não é?
- Para cada um é de um jeito. Se quiser partilhar, eu acatarei; se não, também.

Tentei ser coerente no relato das minhas experiências, mas eu mesmo me sentia confuso e em estado alterado de consciência e aí me senti exausto, parei com falta de ar...
- Descanse, Gilberto! Poupe-se e interiorize sua viagem. Por mais detalhista que você tente ser, só você sabe o que viveu e mesmo que queira escrever sobre isso, jamais passará a real grandeza do que experimentou, só um mero rudimento que já é por demais suficiente para a realidade tridimensional.
Eu sorri e devo ter apagado.

Devo ter dormido por muito tempo. Quando acordei, percebi que Clara havia armado uma tenda. Já mais forte, fui conduzido por ela até a habitação. A fogueira continuava acesa e era noite. Ela me deu um caldo verde delicioso e picante que me fez sentir um intenso calor e necessidade de ficar nu, embora fizesse frio do lado de fora. Abraçamo-nos, beijamo-nos e adormeci em seus braços.

No manhã seguinte, ela me deu chá amargo e carne seca. Senti-me bem mais firme e a desejei sexualmente. Ela se despiu e montou em mim. Seu sexo quente e úmido envolveu o meu em brasa e ela cavalgou sobre mim, desprendendo aquele cheiro inesquecível. Nossas mãos exploravam nossos corpos numa loucura sincrônica que parecia um balé. Nossas bocas se tocavam, deixando que nossas línguas virassem serpentes e nos contassem nossos próprios segredos até que por fim, explodimos num gozo profundo e eu vi que éramos Deuses.

Passamos o dia nos alimentando de raízes, tubérculos e de nós mesmos. Naquela paisagem grandiosa, naquela altura, eu tinha a sensação que só existíamos nós dois na face da Terra. Contamo-nos nossas histórias, partilhamos nossas dores, erros, alegrias e acertos.
Certa noite, ela pôs a cabeça em meu colo e eu comecei a afagar seus cabelos. Senti suas lágrimas quentes irrigando minha perna e perguntei:
- Por que está chorando, meu amor?
- Porque estou feliz.
- Só por isso?
- Não... Também porque sei que está chegando sua hora de partir.
- Como?! Eu mudo meu destino. Desisto da viagem e fico aqui com você.
- Não, Cigano. Você sabe que precisa ir. Sua missão não tem nada a ver com ficar em Águas Calientes comigo. Consiste em sair pelo mundo, visitar os lugares sagrados, amar e ser amado incondicionalmente e transmitir o seu legado ou geneticamente, ou através do seu relato. Se você se aprisionasse aqui, chegaria ao final dessa vida frustrado.
- Mas não preciso ir em breve.
- E por que deixar a rotina quebrar o encanto?
- A rotina também é amiga. Ter um cotidiano em que você possa reconhecer as pessoas e as coisas ao seu redor com certa familiaridade é muito prazeroso.
- Não deixe que a paixão o desvie da rota.
- Mas a paixão é o que me move.
- Paixões passam.
- Amor fica.
- Mas se a paixão é o seu motor e sua lenda, você teria a motivação interna para viver uma relação fixa comigo? Quando suas paixões passam, você se move e negar isso, seria negar sua própria natureza. Sou como você, cigano.
- Depois falamos disso. Fiquei curioso com uma coisa que você disse há pouco.
- Que foi?
- Algo sobre eu transmitir meu legado geneticamente.
- Ah! Houve alterações moleculares fantásticas em sua estrutura como um todo em função da “viagem” que você fez ao Centro da Terra e Além. E naquela manhã em que nos amamos na tenda, eu estava fértil. Carrego uma criança sua em meu ventre e ela será a soma de nossos poderes para impulsionar a humanidade para o progresso espiritual.
- Mais um motivo para eu ficar.
- E se na sua rota estiver escrito plantar sua semente em outros ventres pelo mundo? Vai abortar isso?
Foi a minha vez de chorar. Chorei de saudade antecipada, chorei porque dentro de mim sabia que ela tinha razão.
- Em que consistem essas alterações moleculares? – Perguntei-lhe enxugando os olhos.
- Não sei ao certo, mas sua intuição lhe mostrará à medida que você necessite.
Aquilo me deixou intrigado, mas só mais tarde eu compreenderia o sentido das suas palavras experimentando o meu poder interno.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

O Cigano Peregrino - 9

Despertei numa região escura, meio sonolento e pesado.
- Onde estamos? – Perguntei.
- Em Shambalah.
- Como viemos parar aqui?!
- Psiu! Fale baixo. Os Deuses estão dormindo. Trabalharam duro em prol da evolução e agora descansam até que sejam despertados para o próximo ciclo. Diversos já despertaram e estão na luta; mais cedo, mais tarde, os daqui também acordarão.
- Que Deuses, Xavã?
- Inteligências, meu amigo. Inteligências de todos os cantos do Infinito. Aqui foi o berço divino de Jesus, o Cristo, e de muitos outros avatares que passaram pelo planeta.
- Tenho sono...
- Aqui reinam as Trevas não no sentido negativo, mas no que tange ao estágio do descanso, enquanto Agartha é Luz e Movimento.
- Que sono imenso... É como se eu fosse...
Senti-me morrendo e a partir dali, não pude conciliar mais nada até me perceber diante de um Portal Luminoso.
Acordei e vi Xavã rindo para mim:
- Ao cruzar este Portal, você entrará na Primeira Dimensão e aqui eu me despeço de você.
- Por que não vai comigo? E se eu me perder?Como vou voltar?
- Não se esqueça de que todas as dimensões interagem entre si o tempo todo. Basta querer e você poderá acessar a terceira, que é a superfície da Terra, quando bem entender. Você precisa ir sozinho.
- Obrigado, Xavã.
- Obrigado a você, Gilberto.
Abracei meu amigo emocionado, agradeci pela assistência e cruzei o Portal...

Ao chegar do outro lado, percebi que meu corpo era pura luz e me deparei com uma visão estupenda: estava dentro de um gigantesco cristal, do tamanho de uma cidade e senti uma força descomunal. Eu estava no Centro da Terra.
Ao mesmo tempo em que me sentia mais sólido do que nunca, me sentia mais sutil. Minha consistência e a do Cristal eram uma só. Uma luz branca me envolvia durante todo o tempo e aí comecei a sentir pulsações poderosas e pelas vibrações pude constatar que eram de um organismo gigantesco. Foi aí que percebi que as pulsações eram nada mais nada menos do que as da Terra e chorei emocionado ao ratificar que este planeta é realmente um imenso organismo vivo.
Então senti uma vontade maior de me fundir com o Cristal e o fiz, penetrando em sua Mente:
- Seja bem-vindo! – Cumprimentou-me
- Estou muito feliz por estar aqui.
- Que vem buscar, Irmão?
- Conhecimento.
- Pergunte o que quiser.
- Como você atua?
- Eu ativo as ondas eletromagnéticas que vibram através das outras dimensões. A partir de mim se originou todo esse planeta. Você encarnou na Terra para vivenciar a existência ativada por mim.
- É interessante como me sinto uno com você! – Comentei feliz.
- Além de todos os motivos missionários, há também os bio-químicos. Eu sou feito de ferro. Você possui ferro em seu sangue e isso nos une. Além disso, lanço mão da força da gravidade a fim de mantê-lo unido a mim até o momento em que você deixar seu corpo.
- Imaginei que fosse torrar aqui dentro. É tão refrescante!
- Embora estejamos a uma temperatura de 4000º C, você não está com o corpo físico e por isso que não “torra”.
- Onde está meu corpo?
- Na montanha com sua amiga.
- Lá na superfície, quanto tempo já tem que estou aqui?
- Menos de um dia se nos basearmos no tempo da Terceira Dimensão.
- Que interessante!
- Como filmes, todos os registros e lembranças da Terra vibram em mim.
- Eu posso acessar o início de tudo?
- Basta querer.
Eu quis. todo o Cristal se iluminou e de repente me vi no espaço sideral observando-o e ele era pequenino. Estrelas explodiam, poeira cósmica se agregava a esse Cristal e sua composição aumentava. Astros, asteróides e toda sorte de corpos celestes ou pedaços deles iam se fundindo, com o tempo, àquele aglomerado a priori amorfo, mas que iniciava seu processo de definição de forma.
Vários elementos de outras galáxias e universos eram magneticamente atraidos para se fundirem àquele organismo e eu via Inteligências Cósmicas planejando toda a sua estrutura química, física e biológica.
Vi a Terra formada, os primeiros organismos, os planos de colonização do novo planeta traçados por Constelações e outros Planetas, o atributo de cada raça,  manipulações genéticas, jogo de poder, o papel das Plêiades, de Órion, de Sírius, de Arcturus e de outras tantas fontes de vida e conhecimento que preparariam a Biblioteca Viva chamada Terra.
Vi a inteligência que muitos conhecem por Jeová e lhe atribuiram o papel de Criador, como um Comandante de Tropas Intergalácticas e não como um Deus Absoluto. Tudo o que ele queria era manter a ordem no Sistema Solar. Vi Lúcifer desempenhando um papel mais democrático, no sentido de deixar o Sistema livre para viver suas experiências. Vi o papel de Satã, não como uma entidade maligna, mas como o extremo da anarquia. Vi a e energia do Cristo proveniente não de Jeová, como sempre acreditei, embora questionasse a tônica rigorosa deste em detrimento da amorosa daquele, mas de Lúcifer, o amoroso, o gentil e diplomático.
Vi as experiências, os nascimentos, as construções, os colonizadores, o eterno duelo entre as forças das Trevas e as da Luz, o possível equilíbrio entre elas, dualidades, polarizações, informações e seres de todos os níveis hierárquicos plasmando todo o funcionamento disso aqui.
Compreendi que Deus era não só tudo aquilo, mas toda manifestação atômica do Universo. Deus Pai e Mãe, Homem e Mulher, Alfa e Ômega. Deus que nunca foi criado, porque sempre existiu, porque É.
Vi inteligências em forma de insetos, répteis, felinos, caninos, aves, mamíferos, humanos, vegetais e minerais. Vi a alma de cada coisa criada e não criada e foi aí que tive o maravilhoso insight de estar em todas as dimensões ao mesmo tempo: estava no Núcleo de Ferro; no Reino dos Elementais, dos Vírus e Bactérias; na Superfície do Planeta, onde eu estava vivendo meu estágio físico; no Mundo dos Arquétipos; em Samadhi; no Mundo das Imagens e Formas; no Mundo dos Sons Cósmicos; penetrando a Mente de Deus e sendo engolido por um vasto Buraco Negro, me perdendo de mim mesmo para encontrar meu centro como muito mais do que uma personalidade. Para me encontrar como uma Totalidade.
Fechei os olhos e senti o Orgasmo da Criação. O Movimento e o Repouso. A Concentração e a Dispersão. A Força Centrípeta e Centrífuga que norteia toda a vida e uma imensa alegria tomou conta do meu Universo, porque eu não me sentia mais um ser; eu me sentia todo o Cosmos. Fechei os olhos e descansei.

terça-feira, 26 de julho de 2011

O Cigano Peregrino - 8


Penetramos num imenso Tubo, onde pude vislumbrar sete cidades distribuidas em espiral, como se fossem os sete chakras ligados à minha coluna, como me falou minha amiga Clara.
- Aqui, Gilberto, estão guardadas as sementes que comporão todas as raças pelos séculos sem fim. Cada uma dessas cidades que você pode ver, tem sua correspondente no continente.
Com o passar dos dias, se é que esta marcação de tempo existe naquele mundo, eu percebia que não havia noite. Parecia sempre que o dia estava amanhecendo ou se findando. Havia muitos laboratórios e engenheiros genéticos fazendo experiências e estudando. Xavã me mostrou a diferença do DNA dos humanos nascidos de 1970 até nossos dias e de muitos nascidos antes disso:
- A Humanidade já foi mais avançada há muito tempo atrás, quando tinha doze fitas de DNA. Essas doze fitas se conectavam com os doze chakras...
- Doze?! Não são sete?
- Os outros cinco ligam o ser ao Universo. E como eu ia dizendo, através dessa conexão era  fácil acessar toda a herança espiritual. Algumas inteligências retiraram dez fitas da estrutura genética humana, lesando-a a fim de manipulá-la. Hoje embora muitos ainda só possuam a dupla hélice com duas fitas, muitos que nasceram na década de setenta, como você, já têm as doze de volta.
- E qual a finalidade disso?
- Evolução, meu caro. As Crianças Índigo vieram ao planeta para ajudar toda a humanidade a dar o Salto Quântico. São os seres nascidos com o DNA recomposto.

No tempo em que passei em Agartha, fiz amizade com alguns cientistas e pude também aprimorar meus estudos em genética e descobri que a espécie humana não é privilégio da Terra, pois em muitos outros planetas ou há humanos, ou humanóides que assim foram criados de forma que melhor pudessem exercer o livre arbítrio. Descobri também que as raças que habitam na Terra, todas, provêm de outros mundos, de outros planetas e foram se modificando para se adaptar às condições climáticas, de vegetação e de relevo das mais variadas regiões terrestres.
Depois de eu ter me enriquecido com tantas informações vindas dos pesquisadores, despedi-me deles e Xavã me pegou pela mão, convidando-me para um passeio:
- Estamos deixando Agartha – disse-me.
- Eu sei. Para onde vamos agora?
- Vamos à Oitava Cidade.
- Pensei que havia apenas sete.
- Não. Há a Oitava, onde vive o Rei do Mundo.
- Fale-me dele.
- É uma Inteligência que dirige a evolução Humana.
- Poderei vê-lo?
- Claro. É para isso que vamos lá.

No exato momento, já estávamos na Oitava Cidade, diante de um Portal Luminoso. Nós o cruzamos e paramos diante de uma escada de sete degraus de pedra que dava numa pequena colina.
- Pise em cada degrau desse com a intenção de estar ultrapassando seus próprios limites – Xavã me recomendou.
E assim o fiz. A cada degrau, me senti mais distante do que fui, do que eu era. Como se a cada subida, o ego fosse se fragmentando, a casca fosse se partindo e toda a minha luz interna e minha real e divina expressão se evidenciasse. Quando cheguei ao sétimo degrau, vi um Ancião de olhar firme e amável e ao seu lado, estava a sua Consorte, uma senhora luminosa que transmitia paz e serenidade. O olhar de ambos me fez cativo e apaixonado. Eu via diante de mim o Sol e a Lua, o Alfa e o Ômega, a Ideia, o Movimento e a Conclusão. Não nos dissemos nenhuma palavra e só pelo olhar daqueles dois seres, bebi de tanto Amor e Sabedoria, que percebi uma verdade que ninguém mais mudaria: jamais eu me permitiria me sentir triste outra vez. Aquilo era muito pleno e se depois de o haver vivenciado eu me permitisse a um instante de tristeza ou desânimo, de nada teria valido a experiência.
Não sei por quanto tempo fiquei olhando nos olhos daqueles dois. Até que eles telepaticamente me disseram:
- Nós somos o Graal. Você é o Graal.
Senti meu peito abrir, dilacerar e me peguei amando a tudo incondicionalmente. Fiquei tonto, fechei os olhos e me senti perdendo os sentidos...

segunda-feira, 25 de julho de 2011

O Cigano Peregrino - 7


Acordei diante de uma gruta, sozinho e intui que deveria entrar nela. Assim o fiz.
Ao penetrar naquele recinto misteriso, comecei instintivamente a girar como um Dervixe e o fiz por noventa e nove vezes. Caí no chão e perdi os sentidos.

Retomei a consciência não sei quanto tempo depois e me sentia mais leve do que antes. O interior da gruta era escuro e me questionei sobre como poderia ir adiante sem uma lanterna. A luz do exterior me iluminaria até determinado ponto, mas e depois? Como prosseguiria? Apesar de todos os meus questionamentos, fui em frente e me surpreendi ao perceber que embora estivesse imerso em total escuridão, conseguia enxergar tudo ao meu redor e não se tratava de uma mera adaptação da retina. Havia algo mais em meu olhar que me permitia perceber além dos meus sentidos.
Percebi que alguém se aproximava de mim e não tive medo. Uma luz e uma sombra moviam-se em minha direção até que pude divisar um índio alto, forte e belo, carregando um lampião, que me saudou de forma amigável e se comunicou mentalmente comigo:
- Sou o Guardião da Embocadura. Quem é você?
- Gilberto – eu também pude me comuncar da mesma forma!
- Que faz aqui, Gilberto?
- Quero chegar aos mundo subterrâneo.
- E o que o habilita a ter esse acesso?
- Minha vontade.
- Qual é o seu objetivo?
- Chegar ao Núcelo do Planeta. Ao Cristal de Ferro.
- Você é o Peregrino?!
- Sim.
- Acompanhe-me.
Caminhamos em silêncio por um longo tempo. A cada sala da gruta que eu conhecia, me maravilhava ainda mais. Estalagmites, estalacitites, fontes, formações belas e curiosas. Nunca imaginei que viveria uma aventura deste tipo. À medida que descíamos, a atmosfera ficava mais leve, mais fresca e eu tinha a nítida impressão de que estava sendo observado por muitos olhos. Lendo meus pensamentos, o Guardião se comunicou comigo:
- Não se preocupe. São os habitantes de Duat. Estão lhe dando as boas vindas. Sempre que vem alguém aqui é uma festa.
- Muitos vêm aqui?
- Poucos.
- Como se chama?
- Xavã.
- Pode me falar mais sobre a embocadura?
- A embocadura se relaciona com o seu interior e não necessariamente com uma região intra-terrena. Quando você está pronto para ir para dentro de si mesmo, quando está disposto a sair da superfície e desbravar a própria caverna existencial, poderá se introduzir nas entranhas de Gaia. Quando tiver a coragem de abrir e iluminar seus chakras, estará apto a conhecer os chakras do planeta em que está habitando.
- A Terra tem chakras?
- Tem. Existem várias regiões no planeta que recebem o nome de “Sagradas” porque as Energias Cósmicas e Telúricas fluem com mais facilidade. Esses lugares são grandes vórtices energéticos e se constituem como base de muitos seres ascencionados.
- Então Machu Picchu?...
- Sim. Assim como os lugares da superfície que você ainda haverá de percorrer. Assim como os lugares que seu pai e os amigos ciganos dele percorreram antes de voltarem para casa.
- E eu? Quando eu tiver percorrido essa trajetória, o que acontecerá comigo?
- Não me pergunte sobre o seu destino, viajante. Só você sabe dele.
- O que estou vivendo é um sonho?
- Chame do que quiser. Vivemos num mundo belo, onde as dimensões se interpenetram a todo momento. Quando ocorre a sutilização dos veículos, você pode acessar as nove dimensões ao mesmo tempo.
- Isso deve ser uma loucura!
- E não é nisso que você está metido agora?
- Mas... Penso que para sutilizar os veículos seriam necessários anos de treinamento e exercícios árduos. Eu... não me sinto digno.
- O caminho mais leve e fluídico para a iluminação é o Prazer; não a Dor. Não se trata de um treinamento militar. Trata-se de uma jornada suave. A dureza dela varia com as resistências internas de quem a faz. Quanto mais livre for o interior do Buscador, menos dolorosa será a transformação. Quanto mais livre for o seu interior, mais leve será o exercício da disciplina, porque em você só haverá o orgulho e o egoismo sadios e necessários para a sobrevivência.
- Tudo o que me ensina me deixa num estado elevado. Sinto paz e harmonia em mim. É como se eu estivesse viajando por Planos Superiores.
- Por que “Como se”? Você está viajando verdadeiramente, Peregrino.
- Como consegue isso?
- Um dia você terá o Dom da Alta Magia. Dominará os elementos e saberá como aquietar as almas confusas. Saberá como, através de um olhar, elevar o estado de consciência das pessoas.
- Por falar em pessoas, quem vive nesse mundo interior?
- Você pode também chamá-lo de Mundo Jina. Tem muita gente. Além dos que habitam nele ordinariamente, têm aqueles que desencaranaram e ainda não compreenderam muito bem a Terceira Dimensão; há também os Iniciados e ainda os seres que contribuiram para a evolução da humanidade.
- O que as almas fazem no Mundo Jina?
- Sonham e aprendem. Recapitulam seus erros e acertos, desenvolvem aptidões e outros dons que serão integrados em seu átomo primordial para que possam reencarnar e dar novos saltos evolutivos, e contagiar outras pessoas.

Andamos por mais um tempo em silêncio e minha sutileza aumentava a cada passo, a cada vez que eu penetrava mais em mim mesmo e no interior da Terra.
- Prepare-se. Estamos entrando em Duat.
Comecei a ver uma luz prateada que ia se intensificando e crescendo à proporção que nos aproximávamos de um Portal e perguntei a Xavã:
- Que lugar é esse?
- Não é um lugar. É uma dimensão – ele respondeu.
Num átimo, vi-me diante de um cenário inesquecível!
Tudo era prateado e me causava uma estranha sensação de plenitude. Íamos passando por pessoas muito altas, vestidas com descrição, pessoas respeitáveis, sorridentes e bastante afáveis. Cumprimentavam-me carinhosamente, fazendo-me sentir bem-vindo. Eu vi habitações simples e belas, vi e conheci pessoas das mais variadas raças, crenças, épocas e nações. Eu devia estar com cara de “Alice no País das Maravilhas”, mas não tive nem tempo para ter senso de ridículo. Duat era simplesmente fantástico.
Vi prédios, construções, praças, estádios e auditórios espaçosos e impressionantes, até que meu amigo e Guia me falou:
- Aqui, Gilberto, está contida toda a história da humanidade, desde seu início até sempre.
Naquele instante algo insólito aconteceu que me deixou extasiado. Surgiram diante de mim milhões de livros arrumados impecavelmente em gigantescas prateleiras. Eles tinham todos os tamanhos, formatos e cores; foram escritos em várias línguas e códigos... Vi-me diante de tanta informação e conhecimento que fiquei tonto:
- Isso aqui é uma Universidade Cósmica! – Exclamei.
- Bem empregado, Gilberto. Agora vou deixá-lo a sós para que possa se instruir mais um pouco.
- Obrigado, amigo!
- Divirta-se.
Ele se foi e como o tempo naquela dimensão não é linear, tive a impressão de haver passado anos estudando ali. E era tão gostoso conhecer, aprender, desmistificar, que quanto mais eu sabia, mais informações queria. Inclusive fiz uma excursão maravilhosa por diversas encarnações minhas na Terra e estágios que vivi em outros planetas. Fiz um mapemaento de toda minha essência a partir do meu átomo primordial e relembrei aprendizagens, reaprendi línguas já faladas por mim – até mortas – viajei em minha genealogia, bem como na de meus pais e me surpreendi ao constatar que venho reencarnando neste planeta há cinco milhões de anos.
Vi-me na Etiópia, fabricando os primeiros instrumentos de pedra. Fui Curandeira na Europa Central quando incrementaram os rituais fúnebres; cacei bisões e mamutes na Era Glacial; passei pela vida sedentária, pelo surgimento da agricultura e pela domesticação de animais; trabalhei com cerâmica na Jordânia; pertenci à dinastia Zhou na China; fui escriba no Egito; fiz rituais druídicos nos megalitos de Stonehenge; fui iniciado no Colégio dos Essênios; ensinei banto na África; trafiquei escravos; fui escravizado; vendi entorpecentes no Caribe; estive entre os primeiros maori que povoaram a Nova Zelândia; fui prostituta na Índia; amei nas fogueiras de Beltane; ardi nas fogueiras da Inquisição; participei da revolta dos camponeses na Inglaterra; construí palácios em Creta; participei de bacanais em Roma; cultivei o bicho-da-seda em Bizâncio; arremessei runas com os vinkings; testemunhei a expansão do Cristianismo e seus abusos; peregrinei à Mecca; fui gueixa; estive entre os judeus expulsos da Alemanha; plantei cana-de-acúcar no Brasil e antes de reencarnar como Gilberto, fui perseguido e morto pelos castritas por fazer oposição ao regime tirano.
E também constatei que estive várias vezes em Duat, na maioria das minhas mortes, a fim de me desfazer das incrustações adquiridas durante certas encarnações para poder acessar os Mundos Agarthinos, mas quando quis saber o que seriam “aqueles outros mundos”, Xavã reapareceu e me fez a seguinte proposta:
- Acho mais válido você entrar em Agartha do que ficar lendo sobre ela. Concorda?
É claro que concordei.

domingo, 24 de julho de 2011

O Cigano Peregrino - 6

Custei a conciliar o sono, mas quando consegui dormir, tive o seguinte sonho:
Vi-me no alto de uma montanha, sentando dentro de um círculo de pedras feito no chão, ao lado de uma fogueira armada. Eu a acendi e percebi a presença de um cachimbo e de um saquinho de couro. Abri o saquinho e peguei no que estava em seu interior. Era tabaco. Tive a intuição de fumar e assim o fiz. O fumo tinha suave fragrância e refrescava minhas vias respíratórias. Tive vontade de agradecer a Deus por estar ali e fiz. Então prestei atenção na fumaça e vi se formar nela uma constelação de sete estrelas. Aí ouvi em minha cabeça: As Plêiades o orientam. Acesse as Nove Dimensões. Registre tudo e prepare-se para muitas viagens pelo Universo.

Pela manhã, minha anfitriã me serviu café com tamal, uma pamonha salgada e eu lhe contei o sonho. Ela ouviu tudo atenta e silenciosamente. Ao final do meu relato, ela falou:
- Já ouviu falar do Centro da Terra?
- Não...Ou melhor, deve ter magma, não é?
- Há um Cristal de Ferro do tamanho de uma cidade. Ele é o Centro de Gaia, o nome sagrado desse planeta e é a Primeira Dimensão. Que acha de fazer uma visitinha por lá?
- Mas que são as Plêiades, as Nove Dimensões, o Cristal de Ferro?
- São Sete Estrelas: Alcione, Mérope, Maia, Eletra, Taigeta, Coele e Atlas. As inteligências pleiadianas nos auxiliam no processo evolutivo. Uma das maneiras de ancorarmos nossa própria iluminação é acessando nove Dimensões de Consciência. A Primeira, como te falei, é o Centro da Terra; a Segunda é a sede dos poderes telúricos e seres elementais que habitam em nosso planeta; a Terceira, é a nossa superfície; a Quarta, é o mundo arquetípico, onde se situam os sentimentos, sonhos e conexões não físicas; a Quinta é a dimensão das Plêiades; a Sexta corresponde ao Sistema Estelar de Sírius e à geometria cósmica; a Sétima correponde aos Caminhos Galácticos de Luz; a Oitava, à Mente Divina e a Nona, ao Buraco Negro no Centro da nossa galáxia.
- Como faço para acessá-las?
- Antes de qualquer coisa, devo avisá-lo que se trata de um caminho sem volta.
- Como assim?
- A viagem pode ser tão profunda, que no final dela você não suporte mais ficar nesse planeta e poderá migrar para outros lugares do Universo... Talvez tenha sido por isso que na canalização recebida no sonho, foi-lhe recomendado registrar suas experiências.
- Farei isso.
Comprei um caderno e naquele dia me pus a escrever minhas vivências desde que saí de Nazaré das Farinhas, na Bahia. E da conversa que tive com Clara, foi que surgiu o título “O Cigano Peregrino”.

No dia seguinte, voltamos a Machu Picchu e Clara me levou ao Wayna Picchu. A subida no cerro foi sofrível e em muitos momentos pensei em desistir e voltar atrás, mas a leveza e o encorajamento da sacerdotisa me fizeram concluir a subida e a vista que tive ao cumprir a rota, compensou o sacrifício. Foi simplesmente lindo! Supremo!
- É estupendo! – Comentei. – Mas  por que viemos aqui? Tem a ver com o Cristal de Ferro?
- Sim.
- Mas por que para chegar lá no fundo, temos que subir tão alto?
- Por que assim como é embaixo é em cima. Deite-se.
Eu obedeci e ela continuou a falar:
- Para chegar no Cristal de Ferro, voce precisa achar a embocadura que vai dar nos Mundos Subterrâneos. Chegando lá, você alcançará o Núcleo do Planeta sem problemas e riscos.
- E como encontrarei a embocadura? Que mundos são esses?
- Relaxe e confie. São mundos que abrigam os sobreviventes de Atlântida e dos Incas.
- Como isso pode ser possível?!
- Isso não é novidade para muitas tradições filosóficas e religiosas do mundo. Existem seres especias e muito evoluidos nos mundos infraterrenos. Os Incas são originários do cruzamento entre os habitantes do sol com mulheres atlantes. Essa elite foi enviada para cá em naves espaciais. Como alguns habitantes previram a queda do Império, trataram de se refugiar no interior do planeta e lá encontraram os atlantes que escaparam do grande cataclisma. Pelo fato de esses seres possuírem uma estrutura atômica bem diferente da nossa, podem viver lá embaixo com tranquilidade e até melhor do que a gente. Além disso, possuem uma longevidade estranha. Dizem que alguns nem morrem fisicamente.
- É muita viagem para mim!
- Não se preocupe. Eles me transmitiram alguns exercícios que elevarão o nível da vibração dos seus átomos. Vamos trabalhar seus chakras e isso estimulará as glândulas que ficam no baço, no diafragma e na tireóide. Com algum tempo, você estará pronto para acessar esses mundos.
- Como transmitiram a você? Esteve lá?
- Estive e vou sempre que posso.
- E por que não vai comigo?
- Porque essa viagem é somente sua. Quer ir?
- Quero.
- Então confie em si mesmo e encontrará suas respostas.
Em seguida, Clara se despiu, beijou-me e fiquei profundamente excitado. Também me despi e fizemos sexo naquela montanha mágica. Meu orgasmo foi um dos mais intensos de toda a minha vida e depois dele, entrei num estado de torpor que parece ter levado milênios. Senti que eu e Clara estávamos noutra dimensão e foi nesse tempo que ela me passou os exercícios e eu os pratiquei.

Num determinado momento, acredito ter voltado à consciência em nossa dimensão. Eu me sentia mais leve e sutil.
- Que aconteceu, Clara? – Perguntei-lhe. – Estou diferente. Não sou mais o mesmo.
- Você foi submetido a um processo de alteração molecular e de alguns registros mentais.
- Que isso quer dizer?
- Numa linguagem bem terráquea, você foi abduzido.
- Ah! Que legal! Há quanto tempo estamos aqui?
- Há sete meses.
- Uau! Você está pronto para descer ao infraterreno.
Levantei-me devagar, espreguicei-me e tomei-a nos braços:
- Foi lindo o que fizemos!
- Foi! – Ela sorriu – O sexo é a porta para a iluminação.
- E você fez sexo comigo só para que eu me iluminasse?
- Não. Fiz para que eu me iluminasse também. Fiz porque estou apaixonada por você. Fiz porque o amo.
- Também a amo! Não posso me separar de você agora.
- Ainda estaremos juntos, mas agora você precisa ir. E é por te amar, que eu te liberto.
- Que devo fazer?
- Deite-se.
Deitei-me. Ela conduziu um relaxamento profundo e eu viajei. Percebi meu corpo, minha respiração, minha essência e fui no fundo de mim mesmo, até que ela disse:
- Sinta a força da gravidade te esmagando e não ofereça resistência...
Tive medo! A sensação era que eu seria completamente esmagado no solo, mas não recuei e me entreguei. Senti-me entrando no solo e sendo atraido para baixo. Adormeci.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

O Cigano Peregrino - 5

No dia seguinte, peguei um ônibus para Machu Picchu. Sentia um frio na barriga, uma alegria estranha, ansiedade. Quem era a mulher que marcou um encontro comigo na Porta do Sol? O que ela queria comigo? A viagem estava revolvendo meu ser por inteiro e por um momento tive medo do desconhecido, me enchi de incertezas e tive vontade de voltar para o Brasil e tentar levar uma vida normal. Sei lá, achei que deveria procurar um emprego, uma casa, formar uma família... Deu-me então um estalo na cabeça e ouvi um turista comentando que já estávamos perto do destino. Levantei-me e pedi para que o motorista parasse o veiculo. Ele o fez, saltei e quando vi a condução se afastando, me perguntei o motivo de ter feito aquilo. Por que quis descer do ônibus? Estava ficando doido! Novamente o estalo na cabeça e dessa vez foi mais forte. Segurei a cabeça com as mãos, senti uma força vindo do alto me esmagando contra o solo. Caí me contorcendo de dor e ouvindo muitas vozes, até que não suportei mais aquilo e gritei para que parassem. Fez-se o silencio, ouvi uma flauta ao longe e uma só voz em minha cabeça:
Aproveite e siga andando. Sinta o lugar e vá em paz!

O mal-estar passou, levantei-me e com minha mochila nas costas, iniciei minha caminhada. Vi descendentes daquela civilização avançada com suas indumentárias, falando em quíchua, vi lhamas belíssimas e só sentia uma leve pressão na cabeça. Um índio com poucos dentes me deu uma folha de coca para eu mascar. Agradeci e o fiz. A pressão foi cedendo.
Por fim, após um tempo de caminhada, passei pela Porta do Sol. Arrepiei-me por completo. Era tudo muito belo e ancestral, mas o que mais me impressionou foi que assim que entrei na cidade vi a morena com vestido laranja. Olhamo-nos e ela sorriu.

Fui ao encontro dela.
Ao me aproximar, vi o quanto era bela e sensual e tive vontade de possuí-la. Ela sorriu e disse em castelhano:
- Olá, meu nome é Clara e o seu?
- Gilberto.
- Eu estava a sua espera.
- Eu sei. Quem é você?
- Clara, já disse.
- Sonhei com você ontem e... Você me disse que me encontraria aqui.
- Então temos algo a fazer juntos, não acha?
- Penso que sim.
- Quer descansar ou caminhar ou pouco?
- Prefiro caminhar.
- Então vamos.
Fomos andando e eu me maravilhava com as construções e com a companhia de Clara.
- De onde é, Clara?
- De Águas Calientes e você?
- Interior da Bahia, Brasil. Como soube de mim?
- Sou uma Sacerdotisa, Gilberto. Falo com gente das Estrelas e Sete Inteligências do Cruzeiro do Sul têm me visitado ultimamente. Fui informada de que um peregrino estaria chegando por aqui nesses dias e que era muito amado por esses seres, que se não me engano, viveram aqui como ciganos. É cigano também?
- De certa forma. Meu pai é cigano e tenho seu sangue.
- Não basta ter o sangue. Nossa alma é o que diz o que somos. Nossas escolhas, nossas tendências e aptidões.
- Já fui padre.
Ela me sorriu surpresa:
- Uma vez sacerdote, sempre sacerdote.
- Concordo.
- Então, meu amigo de longe: cigano, sacerdote, andarilho e o que mais?
- Homem, macho, livre, sensível...
Ela pegou em minha mão e apertou. Senti um tesão imenso por aquela mulher e percebi que havia recíproca nisso.
- Que significa Machu Picchu? – Perguntei.
- Em quíchua, significa Velha Montanha. Muitos também a chamam de Cidade Perdida dos Incas e fica a 2057 metros de altitude.
- Por que a construiram num lugar tão alto? Quem fez isso? Como?
- Calma, padre. Vamos devagar. Se beber água afoitamente pode se engasgar.
- Certo, sacerdotisa.
- Sabe-se que isso aqui foi construido no século XV, sob o comando de Pachacuti.
- Quem era Pachacuti.
- Uma poderoso líder. Em 1911, isso aqui foi redescoberto e hoje 70% do lugar foi reconstruido; só o restante é de construção original. A cidade possui duas áreas bem distintas: uma é a agrícola e tem os terraços elocais para armazenar alimentos. A outra é a urbana, onde ficam os templos, as praças e os mausoléus sagrados.
- Por que Pacahuti quis que construissem Machu Picchu no alto de uma montanha?
- Há muitas teorias, desde as mais místicas até as mais práticas e estratégicas. Dizem que aqui foi um local construido com o objetivo de controlar a economia das regiões conquistadas e de proteger o soberano Inca e seu séquito. Na minha opinião, a coisa vai mais além: Machu Picchu foi constuida com finalidade sagrada e iniciatica. Aqui é um Portal para outras dimensões. Temos o Templo do Sol, o Templo da Lua, o das Três Janelas...Tudo aqui é muito espiritual.
- Voce me falou que Machu Picchu foi redescoberta em 1911 e quem o fez?
- Um norte-americano misto de antropólogo e arqueólogo chamado Hiram Bingham. A meta inicial dele era encontrar Vilacabamba, a antiga capital do Império Inca que resistiu bravamente à invasão espanhola no século XIV, mas quando entrou no canyon do Urubamba, foi informado pelo camponês Arteaga, que no alto da montanha havia ruinas interessantes. Ele de pronto se interessou e quis explorar a região, mas foi advertido que deveria subir uma ladeira bem ingreme tomada pela vegetação.
- E aí?
- O homem era ousado e louco. Desbravou a vegetação, enfrentou viboras e chegou ao local das imponentes construções cobertas pela vegetação. Depois dessa expedição, desse achado, ele empreendeu outras que exploraram mais detalhadamente o local. Nas escavações, encontraram muitos objetos de bronze, cobre, prata e pedra. Foram achadas também muitas peças em cerâmica, metal e diversas ferramentas e desde então aqui tem sido um lugar que interessa historiadores, antropólogos, arqueólogos, turistas e místicos.
- E em que consiste seu papel aqui, além de ser uma excelente guia?
Ela sorriu, corou e respondeu:
- Guardo as Tradições Espirituais do meu povo.
- E como faz isso?
- Uma das minhas funções aqui é ser uma Guia Espiritual. Oriento pessoas, dentro do que sei, a fazerem suas próprias descobertas. Cada ser humano tem um caminho, Gilberto. Eu sou aquela que abre as portas para que você penetre em si mesmo e siga sua lenda.
- Qual é o meu caminho, Clara?
- Qual é o seu caminho, Gilberto?
Permanecemos longos instantes calados, fitando a paisagem, as ruínas, as pessoas. A magia do lugar me tornou mais introspectivo e me flagrei extremamente comovido. Foi aí que chorei e fui envolvido num abraço por minha amiga.
Horas depois, ela me convidou para ser seu hóspede. Voltamos para Águas Calientes em seu carro e fomos para sua pequena e aconchegante casa. Era um lugar simples e belo. Havia quadros de Machu Picchu, pinturas indígenas, esculturas andinas, livros, discos, plantas... Acomodei-me no sofá e ela me ofereceu uma bebida que muito apreciei:
- Que é isso?
- Chicha Morada. Feita à base de milho roxo. É típica daqui.
- Gostosa.
- É.
- Mora sozinha?
- Sim. Já fui casada algumas vezes. Meus ex-maridos seguiram seus destinos, meus filhos também, eles estão naqueles porta-retratos. Tive três maridos e graças a Pacha Mama, todos são grandes amigos meus hoje em dia.
- Aquela pergunta sua mexeu profundamente comigo.
- Sei.
- O que devo fazer?
- O que você deve fazer?
Sorri. Achei muito interessante a forma que Clara me devolvia as perguntas que eu lhe fazia e entendi que ela não me daria respostas prontas, mas seria exatamente uma espécie de espelho a estar sempre me instingando a me voltar para mim mesmo quando eu ousasse querer me afastar do meu eu e delegar ao próximo o poder de decidir meus passos.
- Preste atenção aos seus sonhos, Gilberto. Suas respostas estão dentro de você.
Suspirei e me flagrei desejando-a. Senti imensa vontade de tomá-la nos braços e enchê-la de beijos e me fundir com ela.
Parecendo ler meus pensamentos, ela riu e eu corei:
- Não se envergonhe – ela falou – só acho que seja cedo demais para partirmos para algo tão íntimo. Aquele é o seu quarto e eu preciso me recolher – me mostrou um quarto à esquerda – pois estou um pouco cansada. Na sua cama, tem um pijama, cobertor e toalha...
Levantei-me, peguei em sua mão e beijei-a. Abraçamo-nos e seu cheiro me embriagou. Soltamo-nos e despedimo-nos.

terça-feira, 19 de julho de 2011

O Cigano Peregrino - 4


Amanheceu, fechei minhas contas no hotel, fui para a estação e peguei um trem para Cusco. À medida que eu ia avançando, sentia uma emoção estranha. Perguntava-me o que estava fazendo naquele lugar e nada de respostas; só mesmo o desejo de estar viajando, rompendo fronteiras e limites. Pela primeira vez na vida, eu estava fazendo algo sem esperar resultados e isso me causava uma sensação de liberdade tão ímpar, que eu poderia morrer naquele momento e partiria como a pessoa mais feliz do mundo.
Chegando a Cusco, vi três músicos tocando a legítima música andina. Um tocava violão e cantava, outro tocava tambor e também cantava e o terceiro tocava uma Panflute. Todo o meu ser se transbordou de encanto e meu coração latino-americano vibrou a ponto de meus olhos jorrarem lágrimas. Pensei nas belezas e dores da América. Uma terra tão linda e também amargurada. Um lugar tão livre e paradoxalmente tão cheio de injustiças e tiranias. Este sentimento de americanidade ganhou uma maior dimensão quando uma garotinha peruana, uma índia linda, puxou minha camisa e quando a olhei, vi-a dando o sorriso mais luminoso que já havia visto até então. Com seu sotaque carinhoso, ela me perguntou:
- Por que está chorando?
- De emoção.
Ela sorriu e eu a carreguei em meus braços. Deu-me um abraço tão terno que ratifiquei ser o Amor o maior tesouro da vida de um ser humano. O peruano que tocava o violão sorriu para nós e ela acenou para ele:
- Ele é meu papai – disse-me orgulhosa.
Coloquei-a no chão e ela me estendeu o chapéu. Estava coletando dinheiro pelo trabalho dos músicos. Fiz minha oferta e perguntei seu nome.
- Luna – ela me disse.
Agradeceu-me e saiu coletando dinheiro de outros que se deliciavam com aquela música transcendente. Eu voltei a prestar a atenção na música e após alguns instantes, senti alguém puxando novamente minha camisa. Era Luna:
- Diga, meu anjo.
Ela tirou um escapulário de Nossa Senhora que tinha no pescoço e pediu que eu abaixasse. Emocionado, eu o fiz e ela o colocou em meu pescoço e beijou-me a testa, dizendo-me:
- Isto é para lhe proteger. Nada de mal te acontecerá.
- Mas e você?!
- Que tem eu?
- Vai ficar sem o escapulário.
- Isso não importa agora. Nossa Senhora falou comigo e me pediu para eu lhe dar o meu. Se eu tiver de ganhar outro, ganharei. Só o fato de ter-lhe dado o meu, já abre minha vida para que eu receba muito mais. Não porque eu tenha doado só com a finalidade de receber outras coisas, mas porque eu doei por amor.
Mudo, chorei com o ensinamento daquele ser divino e me lembrei que tinha um terço na bagagem. Peguei-o e o dei para ela.
- Como é lindo! – Ela sorriu.
- É seu.
Ela me agradeceu e foi mostrá-lo ao pai, que sorriu para mim.
Pouco depois, parti para Águas Calientes, levando em minha alma uma deliciosa sensação de completude. Só vive na solidão quem quer.

Chegando ao povoado, estava cansado e me hospedei num hotel. Tomei uma ducha, adormeci e sonhei com os sete ciganos:
Cheguei diante de uma tenda flutuante e achei engraçado que eu também flutuava. Entrei no espaço e lá estavam eles à minha espera. Abracei a todos e fui muito bem recebido. Sentei-me entre eles e Sofia me ofereceu um cálice dourado com uma bebida. O cigano menino, a quem me apresentaram como Daniel, presidiu um brinde e todos bebemos dos nossos respectivos cálices.
A bebida era gelada, doce e muito saborosa.
- Já estamos em nossa casa, filho – disse-me Shalom.
- E eu estou prestes a chegar a Machu Picchu.
- Estaremos sempre com você.
- Eu sei...
Depois disso me vi no deserto e o lobo que apareceu para mim, quando eu estava no Ritual do Ayuaska, reapareceu e lambeu-me a face direita.
Em seguida, vi-me num cemitério inca e um condor voava bem alto e então me transportei para o cimo de uma montanha que me permitiu ter uma visão panorâmica de toda a cidade sagrada. Em vez de me sentir pequeno diante daquela infinitude, senti-me Deus e aí vi ao longe uma mulher morena com um vestido laranja e ela me disse: “Estarei te esperando na Porta do Sol”.