sexta-feira, 29 de julho de 2011

O Cigano Peregrino - 10


Despertei aos poucos. Parecia que eu era um mamão saído de um liquidificador ligado. Senti como se nada meu estivesse no lugar. Senti a superfície de uma rocha, um cheiro de fumaça, ervas queimando e uma mão tocou suavemente a minha face. Uma mão humana, uma mão de Mulher e tinha um aroma que eu conhecia.
Abri meus olhos e me deparei com os de Clara. Que sorriso bonito!E aquilo foi tão trasncendente que me fez repassar em instantes tudo o que vivi desde que me encontrei com Xavã.
- Seja bem-vindo, Peregrino!
- Como é bom ouvir sua voz! Como é bom revê-la!
Abraçamo-nos e ela me deu uma caneca de leite quente. Eu estava muito zonzo para me levantar. Ela ficou atrás de mim e elevou meu tronco de forma que eu pudesse beber. Fiquei praticamente em seu colo, recebendo a preciosidade da sua energia maternal.
- Como foi?
- Insano!
- É. Concordo.
- Você já esteve lá?
- Vou sempre que posso.
- Então nem preciso dizer como foi. Não é?
- Para cada um é de um jeito. Se quiser partilhar, eu acatarei; se não, também.

Tentei ser coerente no relato das minhas experiências, mas eu mesmo me sentia confuso e em estado alterado de consciência e aí me senti exausto, parei com falta de ar...
- Descanse, Gilberto! Poupe-se e interiorize sua viagem. Por mais detalhista que você tente ser, só você sabe o que viveu e mesmo que queira escrever sobre isso, jamais passará a real grandeza do que experimentou, só um mero rudimento que já é por demais suficiente para a realidade tridimensional.
Eu sorri e devo ter apagado.

Devo ter dormido por muito tempo. Quando acordei, percebi que Clara havia armado uma tenda. Já mais forte, fui conduzido por ela até a habitação. A fogueira continuava acesa e era noite. Ela me deu um caldo verde delicioso e picante que me fez sentir um intenso calor e necessidade de ficar nu, embora fizesse frio do lado de fora. Abraçamo-nos, beijamo-nos e adormeci em seus braços.

No manhã seguinte, ela me deu chá amargo e carne seca. Senti-me bem mais firme e a desejei sexualmente. Ela se despiu e montou em mim. Seu sexo quente e úmido envolveu o meu em brasa e ela cavalgou sobre mim, desprendendo aquele cheiro inesquecível. Nossas mãos exploravam nossos corpos numa loucura sincrônica que parecia um balé. Nossas bocas se tocavam, deixando que nossas línguas virassem serpentes e nos contassem nossos próprios segredos até que por fim, explodimos num gozo profundo e eu vi que éramos Deuses.

Passamos o dia nos alimentando de raízes, tubérculos e de nós mesmos. Naquela paisagem grandiosa, naquela altura, eu tinha a sensação que só existíamos nós dois na face da Terra. Contamo-nos nossas histórias, partilhamos nossas dores, erros, alegrias e acertos.
Certa noite, ela pôs a cabeça em meu colo e eu comecei a afagar seus cabelos. Senti suas lágrimas quentes irrigando minha perna e perguntei:
- Por que está chorando, meu amor?
- Porque estou feliz.
- Só por isso?
- Não... Também porque sei que está chegando sua hora de partir.
- Como?! Eu mudo meu destino. Desisto da viagem e fico aqui com você.
- Não, Cigano. Você sabe que precisa ir. Sua missão não tem nada a ver com ficar em Águas Calientes comigo. Consiste em sair pelo mundo, visitar os lugares sagrados, amar e ser amado incondicionalmente e transmitir o seu legado ou geneticamente, ou através do seu relato. Se você se aprisionasse aqui, chegaria ao final dessa vida frustrado.
- Mas não preciso ir em breve.
- E por que deixar a rotina quebrar o encanto?
- A rotina também é amiga. Ter um cotidiano em que você possa reconhecer as pessoas e as coisas ao seu redor com certa familiaridade é muito prazeroso.
- Não deixe que a paixão o desvie da rota.
- Mas a paixão é o que me move.
- Paixões passam.
- Amor fica.
- Mas se a paixão é o seu motor e sua lenda, você teria a motivação interna para viver uma relação fixa comigo? Quando suas paixões passam, você se move e negar isso, seria negar sua própria natureza. Sou como você, cigano.
- Depois falamos disso. Fiquei curioso com uma coisa que você disse há pouco.
- Que foi?
- Algo sobre eu transmitir meu legado geneticamente.
- Ah! Houve alterações moleculares fantásticas em sua estrutura como um todo em função da “viagem” que você fez ao Centro da Terra e Além. E naquela manhã em que nos amamos na tenda, eu estava fértil. Carrego uma criança sua em meu ventre e ela será a soma de nossos poderes para impulsionar a humanidade para o progresso espiritual.
- Mais um motivo para eu ficar.
- E se na sua rota estiver escrito plantar sua semente em outros ventres pelo mundo? Vai abortar isso?
Foi a minha vez de chorar. Chorei de saudade antecipada, chorei porque dentro de mim sabia que ela tinha razão.
- Em que consistem essas alterações moleculares? – Perguntei-lhe enxugando os olhos.
- Não sei ao certo, mas sua intuição lhe mostrará à medida que você necessite.
Aquilo me deixou intrigado, mas só mais tarde eu compreenderia o sentido das suas palavras experimentando o meu poder interno.

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