quarta-feira, 20 de julho de 2011

O Cigano Peregrino - 5

No dia seguinte, peguei um ônibus para Machu Picchu. Sentia um frio na barriga, uma alegria estranha, ansiedade. Quem era a mulher que marcou um encontro comigo na Porta do Sol? O que ela queria comigo? A viagem estava revolvendo meu ser por inteiro e por um momento tive medo do desconhecido, me enchi de incertezas e tive vontade de voltar para o Brasil e tentar levar uma vida normal. Sei lá, achei que deveria procurar um emprego, uma casa, formar uma família... Deu-me então um estalo na cabeça e ouvi um turista comentando que já estávamos perto do destino. Levantei-me e pedi para que o motorista parasse o veiculo. Ele o fez, saltei e quando vi a condução se afastando, me perguntei o motivo de ter feito aquilo. Por que quis descer do ônibus? Estava ficando doido! Novamente o estalo na cabeça e dessa vez foi mais forte. Segurei a cabeça com as mãos, senti uma força vindo do alto me esmagando contra o solo. Caí me contorcendo de dor e ouvindo muitas vozes, até que não suportei mais aquilo e gritei para que parassem. Fez-se o silencio, ouvi uma flauta ao longe e uma só voz em minha cabeça:
Aproveite e siga andando. Sinta o lugar e vá em paz!

O mal-estar passou, levantei-me e com minha mochila nas costas, iniciei minha caminhada. Vi descendentes daquela civilização avançada com suas indumentárias, falando em quíchua, vi lhamas belíssimas e só sentia uma leve pressão na cabeça. Um índio com poucos dentes me deu uma folha de coca para eu mascar. Agradeci e o fiz. A pressão foi cedendo.
Por fim, após um tempo de caminhada, passei pela Porta do Sol. Arrepiei-me por completo. Era tudo muito belo e ancestral, mas o que mais me impressionou foi que assim que entrei na cidade vi a morena com vestido laranja. Olhamo-nos e ela sorriu.

Fui ao encontro dela.
Ao me aproximar, vi o quanto era bela e sensual e tive vontade de possuí-la. Ela sorriu e disse em castelhano:
- Olá, meu nome é Clara e o seu?
- Gilberto.
- Eu estava a sua espera.
- Eu sei. Quem é você?
- Clara, já disse.
- Sonhei com você ontem e... Você me disse que me encontraria aqui.
- Então temos algo a fazer juntos, não acha?
- Penso que sim.
- Quer descansar ou caminhar ou pouco?
- Prefiro caminhar.
- Então vamos.
Fomos andando e eu me maravilhava com as construções e com a companhia de Clara.
- De onde é, Clara?
- De Águas Calientes e você?
- Interior da Bahia, Brasil. Como soube de mim?
- Sou uma Sacerdotisa, Gilberto. Falo com gente das Estrelas e Sete Inteligências do Cruzeiro do Sul têm me visitado ultimamente. Fui informada de que um peregrino estaria chegando por aqui nesses dias e que era muito amado por esses seres, que se não me engano, viveram aqui como ciganos. É cigano também?
- De certa forma. Meu pai é cigano e tenho seu sangue.
- Não basta ter o sangue. Nossa alma é o que diz o que somos. Nossas escolhas, nossas tendências e aptidões.
- Já fui padre.
Ela me sorriu surpresa:
- Uma vez sacerdote, sempre sacerdote.
- Concordo.
- Então, meu amigo de longe: cigano, sacerdote, andarilho e o que mais?
- Homem, macho, livre, sensível...
Ela pegou em minha mão e apertou. Senti um tesão imenso por aquela mulher e percebi que havia recíproca nisso.
- Que significa Machu Picchu? – Perguntei.
- Em quíchua, significa Velha Montanha. Muitos também a chamam de Cidade Perdida dos Incas e fica a 2057 metros de altitude.
- Por que a construiram num lugar tão alto? Quem fez isso? Como?
- Calma, padre. Vamos devagar. Se beber água afoitamente pode se engasgar.
- Certo, sacerdotisa.
- Sabe-se que isso aqui foi construido no século XV, sob o comando de Pachacuti.
- Quem era Pachacuti.
- Uma poderoso líder. Em 1911, isso aqui foi redescoberto e hoje 70% do lugar foi reconstruido; só o restante é de construção original. A cidade possui duas áreas bem distintas: uma é a agrícola e tem os terraços elocais para armazenar alimentos. A outra é a urbana, onde ficam os templos, as praças e os mausoléus sagrados.
- Por que Pacahuti quis que construissem Machu Picchu no alto de uma montanha?
- Há muitas teorias, desde as mais místicas até as mais práticas e estratégicas. Dizem que aqui foi um local construido com o objetivo de controlar a economia das regiões conquistadas e de proteger o soberano Inca e seu séquito. Na minha opinião, a coisa vai mais além: Machu Picchu foi constuida com finalidade sagrada e iniciatica. Aqui é um Portal para outras dimensões. Temos o Templo do Sol, o Templo da Lua, o das Três Janelas...Tudo aqui é muito espiritual.
- Voce me falou que Machu Picchu foi redescoberta em 1911 e quem o fez?
- Um norte-americano misto de antropólogo e arqueólogo chamado Hiram Bingham. A meta inicial dele era encontrar Vilacabamba, a antiga capital do Império Inca que resistiu bravamente à invasão espanhola no século XIV, mas quando entrou no canyon do Urubamba, foi informado pelo camponês Arteaga, que no alto da montanha havia ruinas interessantes. Ele de pronto se interessou e quis explorar a região, mas foi advertido que deveria subir uma ladeira bem ingreme tomada pela vegetação.
- E aí?
- O homem era ousado e louco. Desbravou a vegetação, enfrentou viboras e chegou ao local das imponentes construções cobertas pela vegetação. Depois dessa expedição, desse achado, ele empreendeu outras que exploraram mais detalhadamente o local. Nas escavações, encontraram muitos objetos de bronze, cobre, prata e pedra. Foram achadas também muitas peças em cerâmica, metal e diversas ferramentas e desde então aqui tem sido um lugar que interessa historiadores, antropólogos, arqueólogos, turistas e místicos.
- E em que consiste seu papel aqui, além de ser uma excelente guia?
Ela sorriu, corou e respondeu:
- Guardo as Tradições Espirituais do meu povo.
- E como faz isso?
- Uma das minhas funções aqui é ser uma Guia Espiritual. Oriento pessoas, dentro do que sei, a fazerem suas próprias descobertas. Cada ser humano tem um caminho, Gilberto. Eu sou aquela que abre as portas para que você penetre em si mesmo e siga sua lenda.
- Qual é o meu caminho, Clara?
- Qual é o seu caminho, Gilberto?
Permanecemos longos instantes calados, fitando a paisagem, as ruínas, as pessoas. A magia do lugar me tornou mais introspectivo e me flagrei extremamente comovido. Foi aí que chorei e fui envolvido num abraço por minha amiga.
Horas depois, ela me convidou para ser seu hóspede. Voltamos para Águas Calientes em seu carro e fomos para sua pequena e aconchegante casa. Era um lugar simples e belo. Havia quadros de Machu Picchu, pinturas indígenas, esculturas andinas, livros, discos, plantas... Acomodei-me no sofá e ela me ofereceu uma bebida que muito apreciei:
- Que é isso?
- Chicha Morada. Feita à base de milho roxo. É típica daqui.
- Gostosa.
- É.
- Mora sozinha?
- Sim. Já fui casada algumas vezes. Meus ex-maridos seguiram seus destinos, meus filhos também, eles estão naqueles porta-retratos. Tive três maridos e graças a Pacha Mama, todos são grandes amigos meus hoje em dia.
- Aquela pergunta sua mexeu profundamente comigo.
- Sei.
- O que devo fazer?
- O que você deve fazer?
Sorri. Achei muito interessante a forma que Clara me devolvia as perguntas que eu lhe fazia e entendi que ela não me daria respostas prontas, mas seria exatamente uma espécie de espelho a estar sempre me instingando a me voltar para mim mesmo quando eu ousasse querer me afastar do meu eu e delegar ao próximo o poder de decidir meus passos.
- Preste atenção aos seus sonhos, Gilberto. Suas respostas estão dentro de você.
Suspirei e me flagrei desejando-a. Senti imensa vontade de tomá-la nos braços e enchê-la de beijos e me fundir com ela.
Parecendo ler meus pensamentos, ela riu e eu corei:
- Não se envergonhe – ela falou – só acho que seja cedo demais para partirmos para algo tão íntimo. Aquele é o seu quarto e eu preciso me recolher – me mostrou um quarto à esquerda – pois estou um pouco cansada. Na sua cama, tem um pijama, cobertor e toalha...
Levantei-me, peguei em sua mão e beijei-a. Abraçamo-nos e seu cheiro me embriagou. Soltamo-nos e despedimo-nos.

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