domingo, 17 de julho de 2011

O Cigano Peregrino - 2


Do Rio, fui para São Paulo e de lá, voei para Campo Grande. De Campo Grande peguei uma carona com Missionários Adventistas e fui parar em Cuiabá. Participei de alguns cultos com meus novos amigos e eles insistiram para que eu ficasse e me batizasse, “aceitando Jesus”. Bem, preferi não explicar que havia muito tempo que “O Filho do Homem” era meu coligado. Voei então para Porto Velho, em Rondônia, e por fim conheci uma senhora inteligentíssima, com traços indígenas, chamada Zilda, num restaurante natural, que era ambientalista e fazia uso do Ayuaska.
Ela veio em direção à mesa em que eu estava e pediu permissão para se sentar e eu lhe disse que seria um prazer tê-la em minha companhia. Após alguns instantes, ela me encarou e me disse:
- Como se chama?
- Gilberto. E a senhora?
- Zilda. É um prazer tê-lo em minha companhia. E por favor, nada de senhora.
- Tudo bem – eu ri.
- Já ouviu falar do Ayuaska, Gilberto?
- Vagamente. Sei que é uma planta psicotrópica que altera o estado mental das pessoas. Nada mais alem disso.
- Tem preconceito?
- Antes de emitir qualquer julgamento, eu prefiro conhecer.
- Isso é ótimo! – Ela me deu um lindo sorrido e pude ver quão era bela – Eu tomo o chá há muitos anos e na minha última “Borracheira”, fui avisada por um índio que me encontraria com você e que deveria levá-lo para Rio Branco, pois de lá você poderá chegar ao Peru facilmente.
Fiquei bestificado com aquela “coincidência”, que logo aprendi com minha nova amiga se tratar na verdade de uma questão de Sincroncidade, ou seja, uma conspiração do Universo com o que se deseja, através da Lei da Atração, onde podemos atrair as pessoas e as circunstâncias que facilitarão ou nos ajudarão na nossa caminhada.
- Que é Borracheira?
- É o nome que damos ao estado alterado de consciência que acessamos com o chá.
- Isso é fantástico! Estou indo para Machu Picchu!...
- Eu vou te levar para Rio Branco na hora em que você quiser.
- Por quê?
- Porque lhe devo isso... Não sei de onde nem o porquê, mas eu preciso fazer isso por mim e por você... Na verdade, é mais por mim.
- Antes de você fazer isso, eu poderia participar do ritual onde você toma o chá? – Perguntei ansioso.
- Pode.
- Não precisa falar com nenhum dirigente para... Pedir permissão.
- Você está falando com ela.
Fui muito bem recebido em casa de Zilda por seus netos, Acauã e Maria que também tomavam o Ayuaska.
Na noite seguinte, fomos a um sítio e lá conheci algumas pessoas e tive em Zilda uma excelente instrutora:
- A bebida feita da planta e o ritual se chamam kamarãpi, que significa vômito ou vomitar. Sempre fazemos a cerimônia à noite e ela pode varar a madrugada.
- Quantas pessoas frequentam aqui?
- Seis pessoas. Eu, meus netos; Rômulo, aquele senhor de rabo de cavalo; Rita, a esposa dele e Fabiano, aquele jovem loiro. Hoje teremos você. Acho ótimo trabalhar com grupos não numerosos. O contato é maior. Fica tudo mais íntimo.
- Como é o kamarãpi?
- Basicamente consiste no tomar o chá, praticar o respeito, o silencio e quando a “miração” acontecer, viajar ou cantar segundo o sentimento. Muitos também vomitam.
- Por quê? O que é “miração”?
- Muitos vomitam porque precisam jogar o lixo emocional fora. Miração é o transe.
- Fale-me mais do kamarãpi – pedi sedento.
- É o legado que Tupã deixou para nós a fim de que possamos adquirir a sabedoria e aprendamos a viver neste planeta. Todo ser humano tem um caminho e todo caminho é repleto de perguntas que poderão ou não encontrar respostas. Através do Caminho Xamânico, é possível se responder à maioria delas. A maneira que escolhemos foi o consumo regular e repetitivo do chá, ao longo dos anos. Mas não me considere pronta só porque tenho anos de experiência, de viagens e de estudos. A aprendizagem é algo que nunca se conclui.
- Que acontece quando você ingere a bebida? – A cada momento eu ia ficando mais interessado.
- Viajo a outros mundos e adquiro conhecimento para auxiliar na minha auto-cura e na cura da humanidade. Trato dos males da alma, dos feitiços e energias nefastas que abatem o espírito e o corpo.
- E quanto a doenças fisiológicas, infecto-contagiosas?
- Palavreado bonito, Homem Branco – ela soltou uma gostosa gargalhada.
- Para isso existe a natureza com sua biodiversidade e a química. Não tenho preconceitos. Gosto de usar medicina natural, mas se me deparo com uma emergência, não hesito em usar alguma droga alopática que possa trazer um alivio imediato. Depende do caso e da gravidade.
Em seguida, a cerimônia se iniciou com uma prece simples, uma instrução e a ingestão da bebida. Zilda me deu apenas meia xícara da bebida e sentiu meu desapontamento, porque eu queria mais, ao que ela me falou:
- Recomendo que vá devagar, caminheiro. A viagem é longa e se correr muito, cansará antes do tempo e não verá grandes maravilhas.
Apreciei sua sabedoria e me contentei com o recebido.
Ingeri o chá de gosto amargo e forte. Nada de mais nos primeiros instantes. Depois o estômago começou a embrulhar e minha visão ficou turva. Vomitei algumas vezes no local que me foi indicado por Acauã e percebi que todos os meus sentidos se super-aguçaram. Foi maravilhoso!
Pensei em minha história, deitei no chão e chorei baixinho. Não sei identificar se era por auto-piedade ou por saudade de minha mãe, de meu pai, de tudo e todos que deixei para trás...
Senti-me saindo do corpo e me encontrei com um lindo lobo branco que cantou para mim:
Homem que caminha
Por terra, céu e mar
Ganharás o mundo
E jamais hás de voltar

Em cada canto
Um amor, uma lição
No fim da estrada
Gozo e iluminação.

O lobo se transformou em meu pai e tudo começou a ficar difuso. Adormeci e quando acordei, já era de manhã.

Tomando o desjejum com Zilda, fui questionado por ela:
- Que você procura, Gilberto?
- Não sei, minha amiga. Meu único objetivo no momento é visitar sete lugares e viver experiências.
- Para quê?
- Não sei. Por que tudo tem que ter uma finalidade? Por que as coisas não podem ser o que são? Sou filho de um cigano com uma gajona. A história de amor dos meus pais foi meio truncada e minha mãe se casou com outro gajão. Vivi com eles, mas morreram num acidente e fui criado pelo meu avô materno. Fiz-me padre, passei algum tempo tomando conta de uma paróquia e através de uma ex-amante, reencontrei meu pai. Dei uma virada, larguei a batina, conheci outros ciganos e decidi viajar. É isso.
- É... Muito interessante! – Disse ela saboreando o café – Você fala outros idiomas?
- Falo bem o espanhol e me viro com o inglês.
- Isso será importante na sua jornada.
- Tem razão.
- Quando quiser ir para o Acre, é só me avisar. Não estou aqui para lhe reter, mas para facilitar sua viagem.
- Onde está seu pai?
- Se não me engano, deve estar agora em Feira de Santana, lá na Bahia – respondi – Penso que ainda está lá, mas falta pouco para ele e os sete fazerem a viagem.
- Para onde?
- Para as estrelas. É para lá que eles estão indo.
Contei para Zilda e os demais algumas histórias ciganas e ouvi coisas interessantes deles.

4 comentários:

  1. Sempre quando vc. se reporta às vivências Xamânicas é de uma riqueza tão grande, parece que realmente vc. está vivenciando isso digamos de uma forma mais direta. Acabei de lembrar da nossa infância e um lance interessante que aconteceu na casa de Bibi...

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  2. Meu mano Mel, não só parece, como realmente eu vivencio ou já vivenciei. Te amo. Aquilo foi interessante!

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