sexta-feira, 15 de julho de 2011

O Cigano Peregrino - 1


CAPÍTULO 1

MACHU PICCHU

Caminhando e cantando e seguindo a canção...”
Geraldo Vandré

Falei com meu pai, Shalom Carín, dias antes de ele partir para as estrelas com seus amigos ciganos. Sinto falta daquele homem com quem pouco convivi, se formos considerar o tempo que passamos juntos, mas que muito amei e o amor é mesmo atemporal, sem limites.
Além do apoio financeiro que recebi de meu pai e dos nossos irmãos ciganos, o padre Altino, que chefiava a Pastoral do Nômade, na cidade de Feira de Santana, Bahia, Brasil, depositou em minha conta bancária uma parte do dinheiro que meu genitor deixou com ele. A outra, eu pedi que Shalom doasse para a Pastoral. Reconheço que a igreja católica fez muitas merdas ao longo da história, mas sei também que houve benefícios. Nada nem ninguém é completamente mau... Ou bom.
Saquei todo o dinheiro. Em minha alma ardia o desejo de ser andarilho. Eu queria correr riscos e romper com o sistema e nesse ideal, fazia parte do processo a minha desvinculação com a massificante conjuntura bancária. E assim o fiz. Estava exaurido de ser um escravo social e sentia no meu interior a certeza de que poderia viver muito bem estando à margem e como um salmão, nadei contra a correnteza imposta para fazer a minha maré, o meu sentido.
Sempre soube que dinheiro é algo fundamental para minha sobrevivência e sem modéstia, sou um homem capaz e inteligente. Posso fazer um pouco de tudo e fome jamais iria passar. Além disso, eu tinha uma reserva que me manteria por uns tempos.
Quando sai de Nazaré das Farinhas, último lugar em que estive com Shalom, Sofia, Pedro e Sâmia, fui para Salvador e na Rodoviária, tive a intuição de pegar um ônibus para Teixeira de Freitas.
Cheguei ao meu destino doze horas depois e peguei outro ônibus que estava rumando para Belo Horizonte.
 Lá em Minas, num posto de gasolina, fiz amizade com um caminhoneiro que estava indo para o Rio. Foi uma viagem animada, regada a farra e safadeza. Meu amigo Urso, o motorista, um homem moreno, peludo, forte e tão rude quanto doce, levou-me a bares e lugares de fama não muito boa, onde nos divertimos bastante, enchemos a cara e nos deitamos com mulheres maravilhosas.
Numa noite, paramos num hotel cansados. Sem álcool e sem mulher. Estávamos em paz, conversando, deitados em nossas camas, quando ele me perguntou:
- Para que é que tu ta viajando mesmo, cabra?
- Sei não, Urso – respondi – Acho que é para continuar vivendo.
- Tá fugindo de quê?
- Fugindo não. Tô me procurando.
- E tu vai se achar viajando?
- Sei lá...
Ele acendeu um cigarro. Eu adorava vê-lo fumando. Parecia um velho xamã.
- Vai mesmo para Machu Picchu?
- Vou.
- E depois?
- Vou para outros lugares aí pelo mundo.
Pensei no que a cigana Sofia me disse quando botou as Cartas para mim em Santo Antônio de Jesus: “Seu caminho será iluminado. Grandes descobertas sobre si mesmo e os mistérios da espiritualidade você fará. Um lugar de elevada concentração energética o aguarda. Vejo uma pirâmide, um povo antigo, não sei o que é... É tudo difuso. Você terá de descobrir por si mesmo”.
- Nunca vi um padre cigano!
- Está vendo agora e falando com ele.
- Tu parece mais um hippie.
- Quem disse que não sou? Sou tudo, Urso.
Viajei no tempo. Vi-me amando Sofia que depois se casou com meu pai, mas não houve zanga entre nós. Eu sabia que não ficaria com ela desde que me apaixonei. Senti que nossos caminhos seriam distintos, assim como senti com relação ao Mago Márcio, com quem tive uma noite de amor e com a cigana Sâmia.
Lembrei-me da noite em que sonhei com meu destino pós vida eclesiástica e comentei com Sofia sobre meu itinerário; “São sete lugares: o primeiro que irei será Machu Picchu, no Peru. Passarei um tempo lá e depois partirei para El Moro, nos Estados Unidos; de lá, irei para Chitzen-Itza, no México e dali para Sidney, na Austrália. Então partirei para Sintra, em Portugal, depois para Cairo, no Egito e por fim em Srinagar, na Índia. De lá, não sei o que irá me acontecer. Em cada local sagrado desse, viverei histórias e aprenderei sua cultura, costumes e legados”...
- Ô cigano – chamou-me Urso. – Acorda rapaz! Tu tá viajando é?
- Pensando na vida, cabra – respondi.
- Tu é muito estranho!
- Tu também.
Rimos e fomos dormir.

3 comentários:

  1. Mais uma das suas em irmãozinho... a propósito gostei da passadinha no Cairo e na Índia, vc. tá com uma visão esplendida... Sucesso sempre!!! Esse ai eu vou acompanhar a inicial e não vou me perder...

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