terça-feira, 19 de julho de 2011

O Cigano Peregrino - 4


Amanheceu, fechei minhas contas no hotel, fui para a estação e peguei um trem para Cusco. À medida que eu ia avançando, sentia uma emoção estranha. Perguntava-me o que estava fazendo naquele lugar e nada de respostas; só mesmo o desejo de estar viajando, rompendo fronteiras e limites. Pela primeira vez na vida, eu estava fazendo algo sem esperar resultados e isso me causava uma sensação de liberdade tão ímpar, que eu poderia morrer naquele momento e partiria como a pessoa mais feliz do mundo.
Chegando a Cusco, vi três músicos tocando a legítima música andina. Um tocava violão e cantava, outro tocava tambor e também cantava e o terceiro tocava uma Panflute. Todo o meu ser se transbordou de encanto e meu coração latino-americano vibrou a ponto de meus olhos jorrarem lágrimas. Pensei nas belezas e dores da América. Uma terra tão linda e também amargurada. Um lugar tão livre e paradoxalmente tão cheio de injustiças e tiranias. Este sentimento de americanidade ganhou uma maior dimensão quando uma garotinha peruana, uma índia linda, puxou minha camisa e quando a olhei, vi-a dando o sorriso mais luminoso que já havia visto até então. Com seu sotaque carinhoso, ela me perguntou:
- Por que está chorando?
- De emoção.
Ela sorriu e eu a carreguei em meus braços. Deu-me um abraço tão terno que ratifiquei ser o Amor o maior tesouro da vida de um ser humano. O peruano que tocava o violão sorriu para nós e ela acenou para ele:
- Ele é meu papai – disse-me orgulhosa.
Coloquei-a no chão e ela me estendeu o chapéu. Estava coletando dinheiro pelo trabalho dos músicos. Fiz minha oferta e perguntei seu nome.
- Luna – ela me disse.
Agradeceu-me e saiu coletando dinheiro de outros que se deliciavam com aquela música transcendente. Eu voltei a prestar a atenção na música e após alguns instantes, senti alguém puxando novamente minha camisa. Era Luna:
- Diga, meu anjo.
Ela tirou um escapulário de Nossa Senhora que tinha no pescoço e pediu que eu abaixasse. Emocionado, eu o fiz e ela o colocou em meu pescoço e beijou-me a testa, dizendo-me:
- Isto é para lhe proteger. Nada de mal te acontecerá.
- Mas e você?!
- Que tem eu?
- Vai ficar sem o escapulário.
- Isso não importa agora. Nossa Senhora falou comigo e me pediu para eu lhe dar o meu. Se eu tiver de ganhar outro, ganharei. Só o fato de ter-lhe dado o meu, já abre minha vida para que eu receba muito mais. Não porque eu tenha doado só com a finalidade de receber outras coisas, mas porque eu doei por amor.
Mudo, chorei com o ensinamento daquele ser divino e me lembrei que tinha um terço na bagagem. Peguei-o e o dei para ela.
- Como é lindo! – Ela sorriu.
- É seu.
Ela me agradeceu e foi mostrá-lo ao pai, que sorriu para mim.
Pouco depois, parti para Águas Calientes, levando em minha alma uma deliciosa sensação de completude. Só vive na solidão quem quer.

Chegando ao povoado, estava cansado e me hospedei num hotel. Tomei uma ducha, adormeci e sonhei com os sete ciganos:
Cheguei diante de uma tenda flutuante e achei engraçado que eu também flutuava. Entrei no espaço e lá estavam eles à minha espera. Abracei a todos e fui muito bem recebido. Sentei-me entre eles e Sofia me ofereceu um cálice dourado com uma bebida. O cigano menino, a quem me apresentaram como Daniel, presidiu um brinde e todos bebemos dos nossos respectivos cálices.
A bebida era gelada, doce e muito saborosa.
- Já estamos em nossa casa, filho – disse-me Shalom.
- E eu estou prestes a chegar a Machu Picchu.
- Estaremos sempre com você.
- Eu sei...
Depois disso me vi no deserto e o lobo que apareceu para mim, quando eu estava no Ritual do Ayuaska, reapareceu e lambeu-me a face direita.
Em seguida, vi-me num cemitério inca e um condor voava bem alto e então me transportei para o cimo de uma montanha que me permitiu ter uma visão panorâmica de toda a cidade sagrada. Em vez de me sentir pequeno diante daquela infinitude, senti-me Deus e aí vi ao longe uma mulher morena com um vestido laranja e ela me disse: “Estarei te esperando na Porta do Sol”.

2 comentários:

  1. Tony, você descreve os sentimentos dele como se já tivesse vivido. Que maravilha!

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  2. Oh,amiga!Que elogio lindo! Valeu... Sigamos com Gilberto.

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