quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O Cigano Peregrino - 32

Estava na floresta, sentado diante da fogueira, tendo os olhos maravilhados de Coiote Vermelho mirando os meus:
- A viagem foi boa, não é?
- Amo você!
Abracei e beijei meu amigo. Ele me ofereceu uma caneca com chá. Tomei-o saboreando cada golada. Entrei no meu saco de dormir e apaguei.

A partir daquela experiência, foi acontecendo uma mudança gradual na minha forma de me relacionar comigo e com outro: passei a me amar mais e, consequentemente, a amar mais o próximo.
A cada dia eu me sentia mais inteiro no Agora e aquilo significava estar ligado, estar atento a mim, a tudo e a todos. Minha história com Bruce ia bem, eu estava em paz trabalhando na lanchonete e minha amizade com Coiote e com outros amigos fluía docemente.
Só que um dia tive um choque: cheguei em casa e encontrei meu companheiro fazendo sexo com Jéssica na nossa cama. Parado, à porta do quarto, perguntei-lhes o que aquilo significava, interrompendo o coito do casal. Ambos se cobriram e ela meio encabulada, me pediu desculpas e disse que aquilo estava acontecendo porque Bruce garantiu para ela que nossa relação era aberta e que ela até se certificou com ele se eu realmente aceitaria relações paralelas e ele havia respondido afirmativamente.
Então eu falei para ele indignado:
- Nunca falamos sobre isso, Bruce!
- É... Eu sei, me desculpe, mas julguei que você fosse aberto para esse tipo de coisa... Tanto que nem me preocupei em fazer escondido, entende?
- Já tive muitos parceiros e parceiras nessa vida, mas um de cada vez... Não topo essa permuta de energia sexual com muitas pessoas ao mesmo tempo e se você gosta de viver assim, meu amigo, eu estou fora e nossa relação como amantes termina aqui.
- Gilberto, por favor, Gilberto! Não se precipite – falou Jéssica, perturbada – Cara, que situação chata! Como é que a gente faz isso?
- Qual é, Gilberto? – Questionou-me Bruce.
- Bruce, eu sou apaixonado por você. Jéssica, eu gosto muito de você, mas antes de qualquer um existe eu e eu me amo demais para me deixar violentar por vocês dois. Estou destroçado pelo que está acontecendo, porém sei o meu lugar e não estou disposto a mudar meus sentimentos só para ficar numa boa com vocês, como se nada estivesse ocorrendo, Ok?
- Você está dramatizando, amigo! – Julgou-me Bruce.
- Troque de lugar comigo, amigo – Propus tenso. – Não quero brigar, mas preciso saber agora de você, se é nesse padrão de relacionamento que você quer continuar. Porque se for assim, vou embora...
- E nossa amizade?
- Continuará, mas não vou ter clima de ficar morando contigo. E aí, é relacionamento aberto o que você quer?
Ele pensou uns instantes e respondeu:
- É isso.
Sem mais uma palavra, comecei a arrumar minhas coisas. Jéssica se aproximou de mim chorando, me pedindo desculpas, dizendo que jamais pensou em me magoar e tentando me abraçar. Delicadamente eu a impedi de me tocar e lhe disse que me desse um tempo para processar o acontecimento e que eu não estava bem para abraçá-la naquele momento.
Bruce levantou-se contrariado e foi tomar banho. Ela começou a vestir a roupa se maldizendo e eu, em poucos instantes, consegui arrumar meus pertences, entrei no banheiro, peguei meus objetos de higiene pessoal e deixei as chaves da casa na pia:
- Valeu, Bruce! A gente se vê.
- Para onde você está indo? – Perguntou-me chorando.
- Não sei ainda...
- Eu não queria...
- Eu sei... A gente se vê!
Despedi-me de Jéssica e saí da casa. Sensação de peso e leveza. Vontade de rir e de chorar. Milhões de sentimentos fervendo no meu caldeirão-alma... Fui à praia e fiquei mirando o mar lembrando bons momentos e chorando pela mágoa. Decidi derramar aquela mágoa toda de vez e quando não conseguia mais chorar, já era madrugada, adormeci e me senti vazio. Mágoa eu já não tinha em meu coração.
Acessei a 5D e vivi instantes de amor por mim mesmo maravilhosos. Também reafirmei meu amor por Bruce e por Jéssica, contudo tinha em mim a clareza de que não queria mais ser namorado dele.
Amanheceu. Fui à casa de Coiote na intenção de tomar um banho, comer algo e ir trabalhar.
Chegando lá, encontrei-o no quintal, nu, fazendo exercícios corporais. Quieto, contemplei sua harmonia e beleza enquanto realizava aqueles movimentos e ele, embora tivesse percebido minha chegada, continuou com sua prática por algum tempo até finalizá-la com um grito de poder. Em seguida entrelaçou os dedos das mãos com os indicadores juntos, apontados para cima e pronunciou palavras nativas que não entendi.
Olhou para mim, sorriu e pediu que eu me aproximasse. Eu o fiz, abraçamo-nos e ele me questionou:
- Que faz aqui a essa hora?
- Vim tomar banho e comer alguma coisa.
- Brigou com Bruce?
- Não. Separei-me dele.
- Sem briga?
- Sem briga.
- Motivo?
- Ele quer viver um relacionamento aberto e eu não. Ele e Jéssica estavam na cama...
- Sinto tristeza em seus olhos, em seu corpo e em sua aura, mas percebo também uma extraordinária capacidade de superação. O que você fez?
- Chorei até tirar de mim toda a dor e a mágoa. Depois acessei a 5D e me enchi de amor próprio. Ratifiquei meu amor por meus dois amigos e me trabalhei no sentido de não mais querer Bruce como amante. Foi o que eu fiz.
- Que bom! – Sorriu – Merece um lauto café da manhã.
Coiote Vermelho me convidou a entrar em sua casa simples e aconchegante. Preparamos nossa refeição, comemos, rimos, conversamos, ele me contou algumas experiências amorosas e concluiu dizendo:
- Ficarei feliz se você quiser permanecer aqui em casa até sua partida. Você não precisa voltar para o albergue, se assim o quiser...
- Coiote – eu lhe disse – Se eu tivesse com dinheiro suficiente, hoje mesmo eu iria embora de Sidney, mas não tenho e preciso me capitalizar mais para seguir viagem. Além disso, sinto que meu aprendizado com você ainda não acabou e por isso, fico muito feliz com seu convite e o aceito.
- Que bom, meu filho! De uma coisa tenho certeza com relação a você.
- O quê?
- Nunca conheci e jamais conhecerei alguém tão puro e tão verdadeiro quanto você, Cigano Peregrino.
As palavras do meu amigo me emocionaram, me enchendo de alegria e de clareza de que eu estava fazendo a coisa certa.

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