quarta-feira, 7 de setembro de 2011

O Cigano Peregrino - 29

Depois fui com Bruce à praia e conheci outros surfistas e diversas pessoas. Tudo ali era muito livre. Alguns falavam de coisas interessantes; outros, nem tanto. Fiquei na areia com outras pessoas vendo manobras fantásticas que aqueles seres faziam nas ondas. Eu não sabia no que pensar; só sabia contemplar, sentir, viver aquele momento. Uma linda moça me ofereceu um baseado e aceitei. Foi fascinante experimentar maconha pela primeira vez naquele cenário maravilhoso, com aquelas pessoas inusitadas.
Quando Bruce voltou com os outros e me encontrou viajando, riu como uma criança. Ele não curtia drogas, mas não tinha problemas em conviver com quem gostava. A menina que “me batizou” no ritual com a cannabis sattiva se chamava Jessica. Era loira, sarada, australiana e namorava uma africana exótica chamada Nzinga.
Fomos para a casa de Jessica. Fritei peixe para nós, Nzinga fez arroz; Bruce, salada; tinha vinho branco na geladeira e nos deliciamos num jantar elegante e simples. Falamos sobre diversas coisas, falamos de nós, de nossos sonhos e histórias. Eu nunca havia me sentido tão liberto.
No meio da conversa, manifestei minha preocupação sobre o fato de precisar arranjar um emprego para me manter ali e me capitalizar para seguir viagem. Bruce então falou:
- Cara, você é um homem de sorte!
- Por quê? – Perguntei.
- Um indiano que trabalha lá na lanchonete estará voltando para o país dele em dois dias. Não tem ninguém ainda para ocupar a vaga dele, logo vou falar com o dono e acho que você poderá trabalhar lá.
- Pronto, padre! – Brincou Jessica – problema resolvido, Graças ao Bom Deus!
- É. A vaga do indiano será minha.

No dia seguinte, fui à lanchonete conversar com o dono sobre a vaga e ele me admitido como garçom. Comecei a trabalhar no estabelecimento com grande expectativa de conhecer Coiote Vermelho, mas ele não apareceu. Segundo Bruce, ele ia lá frequentemente e não havia aparecido nem quando estive lá pela primeira vez. Por que seria? Perguntei ao mau amigo como ele era e tive a seguinte descrição:
- É um homem de aparentemente 60 anos e transmite uma vitalidade maior do que a de muitos da nossa idade. Seus cabelos longos e grisalhos estão sempre amarrados. Seus olhos brilham e seu corpo está em forma. Tem mãos fortes, veste roupas leves e usa um colar que tem uma arcada dentária de um coiote. É um homem belo e carismático; mas discreto. Chega sem alardear e mesmo assim é impossível não notá-lo.
Como o indiano dividia o apartamento com Bruce e estava partindo, ele me convidou para ocupar o lugar do antigo morador. Saí do albergue e fui morar com meu amigo.

Numa de nossas folgas, Bruce me chamou para conhecer mais um pouco de Sidney. Entramos em seu carro e ganhamos as ruas.
- Sou apaixonado por isso aqui, Gilberto – disse-me ele. – Não tenho vontade de sair desse lugar. Amo a Austrália e considero Sidney o melhor lugar do mundo.
- Quando a cidade foi fundada?
- Foi criada há uns 200 anos como colônia penal inglesa. Acredita?
- Nossa! Esse paraíso já foi uma colônia penal?
- Pois é. E se tornou o que vemos hoje: uma cidade elegante, multiétnica e multicultural.
- A pluralidade australiana me impressiona desde o cenário geográfico até as manifestações culturais. Sempre me encantei quando via por revistas ou pela televisão as florestas, as praias, as montanhas nevadas, os espaços amplos e os desertos. Parece com meu país.
- E muito, mas com relação à taxa de analfabetismo, nossos países não têm muito a ver. Ela aqui é mínima.
- Infelizmente a de lá ainda é sofrível, como muitas outras coisas... Mas vamos falar do que é bom. A descontração e a hospitalidade aqui também se parecem com algumas regiões de lá.
- Acho que lá é melhor do que aqui!
Rimos e o “tour” aconteceu prazerosamente. Ele me levou à Praia Lady Jane, um lugar lindo, onde se pratica o naturismo. Ficamos nus e pude contemplar outras pessoas também nuas brincando, conversando, comendo e bebendo. Era a primeira vez que eu vivenciava aquilo e me senti leve, longe dos pudores, das reservas, dos medos e tabus. A vida se mostrava a cada momento mais rica e generosa para mim e eu me sentia loucamente agradecido por tantos presentes:
- E aí, como está se sentindo? – Perguntou-me enquanto tomávamos suco de frutas.
- Bem... É diferente. É minha primeira vez, mas me sinto confortável.
- É pena que quando a gente se acostuma, perde essa cara maravilhada que você está agora.
Gargalhamos e fiquei encabulado.
- Qual é, Gilberto...
- Você é uma pessoa bonita, Bruce. Sou um homem de sorte por ter te encontrado.
- Eu também sou um homem de sorte – disse ele com ar insinuante.
- Você tem namorada?
- Não.
- Namorado?
- Não.
- Por quê?
- Talvez por que eu estivesse esperando por você...
- É talvez!...
Sorrimos. Comecei a ficar excitado e tive que ir para a água.
Quando voltamos para o carro, já vestidos, nos beijamos e assim começou meu novo romance.

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