sábado, 10 de setembro de 2011

O Cigano Peregrino - 30

Fomos às Praias de Queenscliff e Manly e vimos mais surfistas, mais manobras, mais gente bonita e trocamos mais carícias. Bruce era extremamente carinhoso e eu já estava totalmente entregue àquela paixão.
Depois fomos à Opera House e à Ponte do Porto, onde tiramos fotos fantásticas. Apaixonei-me pelo Cais. Sempre adorei ficar em algum cais; bate uma nostalgia gostosa, uma saudade estranha de não sei quem ou não sei onde...
Adorei o Museu Marítimo e o Aquário, onde terminou minha apaixonante rota turística. O sol se pôs, retornamos à nossa casa e fizemos amor.

No dia seguinte, fomos trabalhar felizes. Ao meio-dia tive uma grata surpresa, quando o homem que eu esperava cruzou a porta de entrada. Ele usava roupas claras e soltas, tinha uma presença notável, cumprimentou cordialmente algumas pessoas e sentou-se a uma mesa do lado direito. Bruce olhou para mim sorrindo e fez sinal para que eu fosse atendê-lo. Prontamente fui:
- Boa tarde, senhor?
- Boa tarde – ele me olhou nos olhos por alguns instantes e sorriu. – É novo por aqui?
- Sim. Comecei há alguns dias.
- Venho aqui sempre, mas tive alguns compromissos que me afastaram daqui nesses dias.
Entreguei-lhe o cardápio.
- Obrigado, meu jovem. Como se chama?
- Gilberto.
- Tem um sotaque diferente...
- Sou brasileiro.
- Verdade? Que bom! Sou mexicano.
- Eu sei.
- Como sabe?
- Estive com Chencha. Ela me falou de você.
Ele abriu um largo sorriso e apertou minha mão:
- Como ela está?
- Bem... Linda... Única...
- Apaixonou-se por ela?
- Como não?
- É impossível não se apaixonar por aquela Deusa!
- Você também se apaixonou?
- Quem quer que se aproxime de Chencha, inexoravelmente se apaixona por ela e isso acontece de várias formas e tem várias nuanças... Como soube que eu estava aqui?
- Eu vim para cá sem saber. Vim porque estou peregrinando. Estive em Chitzen Itza e no meu roteiro vinha Sidney logo em seguida. Ela havia me falado de você, depois Bruce também o fez e desde então eu estava aguardando por esse momento.
Olhei para o seu colar de presas de coiote e me impressionei.
- Então por que estamos nos atraindo, Gilberto?
- Porque você tem algo a me ensinar.
- Ou quem sabe o mestre seja você?
- Não entendi...
- Bem, não podemos ter essa conversa aqui e agora. Quero um suco de morango com leite e um hamburger. Depois a gente vai marcar.
- Certo. É um prazer te conhecer, Coiote Vermelho.
- Idem, Peregrino.
Fui dizer para a cozinha o seu pedido e no caminho, comemorei com Bruce, que logo foi cumprimentá-lo e falar amenidades.

Marcamos um jantar em nossa casa para a noite seguinte.
Bruce fez uma deliciosa macarronada e regados a um bom vinho, e embalados por boa música, tivemos uma conversa interessante:
- O que lhe trouxe aqui, Gilberto? – Perguntou-me Coiote.
Contei-lhe minha trajetória desde que encontrei Sofia em Brejões, nos meus tempos de padre, até minha estada no México.
- Cigano... Padre. Pansexual. Alternativo. Peregrino... Quem é você, rapaz? De onde vem com toda essa bagagem?
- Sei não, Coiote. Tudo que me resta agora é viver e viajar.
- Bom... Então do México, você veio para cá e fez amizade com Bruce, e agora está namorando com ele e conversando comigo.
- É o que parece... – Respondi e rimos os três.
- O que você veio me ensinar, Peregrino?
- Não tenho ideia, Coiote.
- Chencha lhe ensinou a orar nas sete direções e o ajudou a acessar a Quarta Dimensão, não foi?
- Foi.
- Eu sei algumas coisas sobre a Quinta Dimensão, mas antes de falar sobre isso ou de lhe ensinar como acessá-la, se é que alguém pode ensinar outrem a amar, quero conversar sobre uma história com você... Ou melhor, com ambos.
- Diga, amigo – falou Bruce.
- Gilberto, qual é a sua relação com a vida?
Pensei um pouco e respondi:
- Uma relação de prazer.
- Uma relação de prazer... E com a morte?
- Com a morte?!... Não sei... Não penso muito nisso.
- O que sente por Bruce?
- Paixão. Uma grande paixão.
- Certo. Se ele aparecesse com um mal incurável e tivesse pouco tempo de vida nesse corpo, e te pedisse para aplicar uma injeção letal nele, por não ter mais vontade de viver. Você o faria?
Fiquei mudo. Olhei para Bruce, que também estava sem ação.
- Aonde você quer chegar? – Perguntei a Coiote, tentando tomar um fôlego.
- Quero ver até onde vai a sua capacidade de amar.
- E por acaso vai avaliar isso pela minha coragem ou covardia em cometer um crime? Um assassinato?
- Sim, já que esse é o nome que você dá...
- Você é louco!
- Pena que você não seja o bastante, mas tenho certeza de que isso será facilmente contornável. Ainda há uma herança judaico-cristã-religiosa muito forte em suas entranhas; o interessante é que você tem um pouco de insanidade e não será difícil fazer você mudar de opinião.
- Você está brincando, não é?
- Absolutamente.
- Estou gostando desse jogo. Vamos em frente.
- Não é um jogo, filho. É a senha. Quando se ama de verdade, perde-se o medo da morte e das condenações inventadas pelas religiões.
- Seja mais especifico – pedi.
- Eu tive um grande amor chamado Marina. Era uma mulher bela e forte. Sua tônica era o dinamismo. Era hiperativa e sempre estava desempenhando alguma atividade. Certo dia descobrimos que ela estava com câncer e lutamos pela sua cura. Mesmo doente ela continuou na ativa, porém com o tempo, o poder da doença foi minando suas forças até levá-la ao leito. Para Marina a vida não tinha mais sentido porque ela não era mais funcional e isso ela pensava não com relação ao outro, mas com relação a si própria. Um dia, chorando, ela me perguntou se eu a amava de verdade. Respondi que sim. Ao que ela falou “Esse amor pode levá-lo a me matar para acabar com esse sofrimento que se tornou minha vida?” Chorei uma noite e um dia, mas depois fui ao nosso quarto e lhe disse que por amor, colocaria um fim naquela dor.
- O que você fez? – Indaguei.
- Consegui uma superdosagem de heroína e injetei nela. Morreu de overdose.
- E depois, como você se sentiu?
- Capaz de amar a humanidade sem impor condições ou limites. E descobri uma grande chave.
- Qual? – Perguntei.
- Que poderei fazer isso comigo em algum momento, sem culpa, sem medo ou arrependimento. Sabem por quê?Porque removi o “Programa DEUS” e assumi minha própria divindade. Isso significa que se sou o Senhor da Minha Vida, por ter escolhido todas as experiências pelas quais eu devia passar, sou também o Senhor da Minha Morte e posso determinar seu acontecimento quando bem quiser e entender. Não há ninguém para me punir. Eu posso determinar o limite da minha dor, decidindo se desejarei levá-la até o tempo de ela se extinguir ou até o meu tempo de querer suportá-la. Isso também é ser capaz de me amar sem limites.
- Mas isso é contrário a tudo o que eu aprendi, Coiote – retruquei.
- Desaprenda e cresça! Assumir sua divindade é ter o poder sobre a própria dor. É vencer a dependência de uma mentira chamada religião e amar-se profundamente.
- Isso é bastante sedutor! – Exclamei.
- Que bom! Você é louco o bastante para ter coragem de amar e ser feliz. Está pronto para acessar a Quinta Dimensão.
- Por quê?
- Verás.
Fiquei pensando numa frase dita por ele, que me chamou muito a atenção: “... se sou o Senhor da Minha Vida, por ter escolhido todas as experiências pelas quais eu devia passar, sou também o Senhor da Minha Morte e posso determinar seu acontecimento quando bem quiser e entender”.

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